Hoje em dia, 90% das vagas em cursos de Medicina estão concentradas em 232 faculdades particulares. Com uma média de mensalidade de mais de R$ 9.000, a estimativa é que isso representa um faturamento de R$ 21 bilhões para as empresas que mantêm essas faculdades. E existem mais de 200 pedidos de credenciamento esperando aprovação no MEC.
Em boa parte desses cursos, os estudantes são ensinados por professores que não são médicos em matérias que são especificamente da área médica. Além disso, muitos dos estudantes não têm a necessária atividade de ensino em serviço em hospitais-escolas, porque não existem, ou, se vão para uma unidade pública de saúde – que não são tantas no interior –,é muito estudante para pouco paciente. Das duas formas a qualidade da formação fica prejudicada, e esses estudantes tendem terminar o curso com uma formação ruim.
Há 100 anos, houve um movimento mundial para estabelecer um padrão de qualidade, método e cientificidade no ensino da Medicina. Nos EUA, em função do famoso Relatório Flexner, 50 de 131 escolas médicas foram fechadas porque não tinham qualidade na formação de novos profissionais. Corremos o risco de um retrocesso no Brasil se controles rígidos não forem estabelecidos pelo governo federal.
Essa falta de controle da qualidade dos cursos de Medicina, que foram criados em especial na última década (houve uma explosão de abertura de vagas em faculdades particulares desde 2014), é uma das situações que levaram à suspensão do credenciamento de novos cursos e expansão do número de vagas em faculdades médicas em 2018 e que chegou ao fim agora, no dia 5 de abril.
A ideia por trás de oferecer mais vagas em cursos de Medicina no interior era fazer com que mais médicos fossem para o interior. Só que, depois de 10 anos, passamos de 368.139 médicos com registro nos conselhos regionais de medicina, em 2013, para 566.641, atualmente. E o problema de falta de médicos onde não tinha continua igual.
Julgaram que abrir muitas faculdades de medicina no interior faria com que os graduados ficassem no interior. Mas não é o que acontece. Um estudo da Universidade São Paulo, de 2015, mostrou que de cada cinco médicos formados no interior, só um fica.
Outra coisa: enquanto aumentou a entrada de estudantes de cursos de Medicina no Centro-Oeste, diminuiu na região Norte. Tanto as empresas donas das faculdades preferiram abrir essas escolas em lugares de acesso mais fácil (especialmente no Sudeste, onde está a imensa maioria), quanto os estudantes optaram por estudar em cidades com melhores condições de acesso e de vida.
Só no ano passado, 26,4 mil novos médicos se formaram no Brasil – bem mais do que as 16 mil vagas que o governo federal anunciou para o Programa Mais Médicos. Se for mantida a quantidade de vagas oferecidas, as projeções mostram que chegaremos a 2035 com mais de 1 milhão de médicos no Brasil, ou 4,4 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes (acima da média dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento).
Mas, que Medicina será essa se os profissionais não tiverem boa formação? Se não houver especialistas suficientes em áreas como pediatria, ginecologia, oncologia e as demais tão necessárias? E, mais ainda, se não forem criadas a estrutura, as condições de trabalho e os incentivos para fixar os médicos nos lugares onde são poucos ou onde não existe médico?
Cabe ao Estado Brasileiro criar os controles de qualidade da formação, garantir a expansão dos programas de residência médica para que os graduados se especializem, estruturar o Sistema Único de Saúde e criar as condições necessárias para contratar médicos para atuarem onde a população precisa, seja no interior, seja nas periferias das grandes cidades do Brasil.