Hoje, saboreei a comida que minha mãe fez. Estava top!
Se você não compreendeu o texto acima, nem precisa continuar lendo o artigo. Se você entendeu a mensagem que quis transmitir, prossiga!
Toda língua é viva e passa por mutações constantes. Para cada contexto, há uma norma. Sou professor de língua portuguesa em um curso preparatório para concursos públicos e sei que, nesse ambiente, devo prezar pela norma culta escrita, além de usá-la e transmiti-la. Faço o ofício que escolhi para a minha vida e tenho grande paixão por cada atividade profissional que desempenho.
Todavia, preciso contar a você um segredo: a vida de uma pessoa não se resume ao seu trabalho! Além de professor, sou pesquisador, filho, amigo e metido a músico! Para cada um desses contextos, felizmente, encontro um meio para me comunicar.
Sabe do que não gosto? “Zap”! Eu só uso essa palavra quando quero me referir ao quatro de paus (e só no truco!)! Se eu trocar o jogo, preciso trocar a nomenclatura. Não sou adepto ao uso desse vocábulo como sinônimo de “aplicativo de mensagens instantâneas”! Todavia, pergunto: seria coerente da minha parte deixar de entender meu pai quando ele me diz “filho, mais tarde vou te mandar um “zap” com meus dados bancários”?
O maior de todos os jogos é o da vida. Nele, não há espaço para intransigências!
Eu respeito a sua preferência ou não por qualquer vocábulo, mas acho absurdo o comportamento daqueles que querem desconsiderar a existência de uma palavra de usabilidade comprovada. O mais interessante é notar que os mais relutantes às inevitáveis mudanças linguísticas (que é algo simples, natural é universal) são os mais inflamados em discursos de mudanças sociais, que são demasiadamente mais complexas. Um grande contrassenso, não?
Voltemos ao meu universo profissional. Veja esta questão de prova:
(2018/FGV/TJAL) Observe a charge abaixo.
No caso da charge, a crítica feita à internet é:
(A) a criação de uma dependência tecnológica excessiva;
(B) a falta de exercícios físicos nas crianças;
(C) o risco de contatos perigosos;
(D) o abandono dos estudos regulares;
(E) a falta de contato entre membros da família.
E eu pergunto: você vai deixar a questão em branco porque nela há coloquialidades?
Somos um povo cheio de defeitos, reconheço. Mas deixamos de olhar para uma das nossas maiores virtudes, fruto não escolhido de nossa colonização: A ANTROPOFAGIA[1].
“Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Oswald de Andrade, in Manifesto Antropófago
No jogo da minha vida, prefiro buscar o que nos une, e não o que nos difere. Os que desejam fraternalmente mudar uma realidade buscam se inserir nela, e não combatê-la inadvertidamente. Assim, na minha opinião, a vida é mais top!
P.S.: a palavra “top” já está no Aurélio, e é usada para indicar uma unidade física ou uma “blusa curta, sem mangas, que deixa o colo, os ombros e a barriga à mostra”. Para ganhar mais uma acepção oficial, é só questão de tempo – e de uso. E, se você for um pouco curioso, veja nos dicionários o que significa top em inglês.
[1]Movimento brasileiro de vanguarda, na literatura e nas artes, que, no fim dos anos 1920, defendia uma combinação de modernização e nativismo, pregando a assimilação crítica, irônica e irreverente de elementos estrangeiros (industrialização, ideias modernistas etc.), tomando como modelo a antropofagia dos antigos tupinambás (ingestão do inimigo para apropriação de suas qualidades guerreiras).