Brasília poderá ser o destino de lixo hospitalar produzido em outros estados. Deliberação neste sentido pode ser tomada nesta quarta-feira, 20/12, pelo Conselho de Meio Ambiente do Distrito Federal – Conam-DF. A empresa Stericycle Gestão Ambiental Ltda, já instalada no Distrito Federal para processar lixo hospitalar candango, solicitou ao governo a autorização para importar resíduos hospitalares de Uberlândia e Uberaba, em Minas Gerais, e de Mogi-Mirim e Piratininga, São Paulo. Dentre os tipos de lixos que ela requer autorização para importar estão materiais contaminados com prions, uma proteína que afeta o sistema nervoso de animais e seres humanos e que os técnicos acreditam seja a responsável pela Doença da Vaca Louca. O assunto já foi levado ao Ministério Público pelo Fórum das Ongs Ambientais do DF.
A Stericycle opera na quadra 21, do Setor Industrial da Ceilândia e tem a capacidade de processar 20,667 toneladas de lixo por dia. Mas o Distrito Federal não produz tanto lixo assim e, desta maneira, conforme relata Mônica Veríssimo, representante no Conam-DF do Fórum das ONGs Ambientais, estaria a empresa querendo suprir a capacidade ociosa com lixo proveniente de outros estados. A empresa aguardaria essa autorização, inclusive, para participar de outras licitações de coleta de residuos hospitalares que teriam como destino a Capital Federal.
Oficialmente, por meio de solicitação ao Conam-DF, datada de maio desse ano, a empresa afirma que o lixo hospitalar de outros localidades só seriam enviados a Brasília em decorrência de manutenção de suas usinas em outras localidades. Assim mesmo, ela prevê a importação de 3.540 toneladas de “resíduos dos serviços de saúde”. Segundo o documento, depois de tratados no Distrito Federal, parte desses resíduos seria destinada ao aterro sanitário de Planaltina de Goiás (Brasilinha) e outra parte seria encaminhada a um aterro em Uberaba.
Técnicos da Secretaria de Meio-Ambiente do DF estão apreensivos com a possibilidade da importação de lixo hospitalar e, pedindo para não ser identificados, afimarm que o GDF não tem capacidade operacional para controlar, monitorar e fiscalizar a importação, o tratamento dado a esses resíduos e sua destinação e disposição final ambientalmente adequada. Segundo esses especialistas, o aterro sanitário de Plantaltina de Goiás opera igual a um lixão e, por estar dentro da Apa do Planalto Central e nas cercanias do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, precisaria da anuência do ICMBio para receber tais resíduos.
Em 2016, a empresa única coletora e incineradora de lixo hospitalar do Distrito Federal, teve suas atividades paralisadas por conta de um movimento do Sindicato dos Trabalhadores em Limpeza Urbana do Distrito Federal, que denunciavam as precárias instalações, equipamentos e condições de trabalho. Segundo o portal da entidade, no local de incineração era possível encontrar seringas, pontas de agulha e outros apetrechos hospitalares espalhados pelo chão.
Tipo de lixo
A legislação federal classifica os resíduos hospitalares por categoria. A maior quantidade de lixo hospitalar que a empresa pretende trazer a Brasília, 2.600 toneladas/ano , estão classificados em três categorias: Grupos A1,A4 e E. O Grupo A1 compreende, dentre outros, os estoques de microrganismos; resíduos de fabricação de produtos biológicos, descarte de vacinas de microrganismos vivos ou atenuados; meios de cultura e instrumentais utilizados para transferência, inoculação ou mistura de culturas; resíduos de laboratórios de manipulação genética. O Grupo A4 engloba sobras de amostras de laboratório e seus recipientes contendo fezes, urina e secreções, provenientes de pacientes que não apresentem relevância epidemiológica e risco de disseminação; resíduos de tecido adiposo proveniente de lipoaspiração, lipoescultura ou outro procedimento de cirurgia plástica. Já o grupo E, relaciona agulhas, escalpes, ampolas de vidro, brocas, limas endodônticas, lâminas de bisturi, além de utensílios de vidro quebrados em laboratórios.
Vaca Louca
A empresa também pretende trazer para a Capital Federal resíduos hospitalares categorizados nos Grupos A2, A3 e A5. Seriam 200 toneladas, todos os anos, de carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos e cadáveres de animais suspeitos de serem portadores de microrganismos de relevância epidemiológica (grupo A2); peças anatômicas (membros) do ser humano; produto de fecundação sem sinais vitais, (A3); além de órgãos, tecidos, materiais perfurocortantes e demais materiais resultantes da atenção à saúde de indivíduos ou animais, com suspeita ou certeza de contaminação com príons.
Para avaliar-se o risco da importação de tais resíduos, deve ser considerado, por exemplo, os casos de contaminação por prions. Segundo a literatura técnica, as doenças chamadas de doenças priônicas, são provocadas por proteína modificada, chamada príon. Os príons são agentes infecciosos ainda menores do que as bactérias e os vírus. Eles atuam nas células nervosas e são capazes de causar grandes estragos nos sistemas nervosos humano e animal. Acredita-se que a doença da vaca louca, seja uma doença provocada por príons.
Risco a Saúde Pública
A empresa que solicita a autorização para importar o lixo hospitalar atua em diferentes estados. E em alguns deles é alvo de sindicâncias, como, por exemplo, em Mato Grosso, onde o Tribunal de Contas do Estado questiona a correção dos procedimentos no aterro sanitário do município de Chapada dos Guimarães.
Metais pesados
Além dos grupos de resíduos acima citados, a empresa busca autorização para processar 240 toneladas/ano de material enquadrado no Grupo B, que reúne, resíduos contendo substâncias químicas que podem apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, segundo a legislação federal. São substâncias que podem ser inflamáveis, tóxicas e corrosivas. O grupo inclui resíduos contendo metais pesados. A empresa ainda que trazer a Brasília 500 toneladas/ano de resíduos industrial classe 1 e 2 que, segundo a legislação, em função de suas propriedades físico-químicas e infectocontagiosas, apresentam risco à saúde pública e ao meio ambiente. Esses resíduos são classificados de perigosos e pedem mais atenção, já que os acidentes mais graves e de maior impacto ambiental são causados por esta classe de lixo.
Um acidente no transporte ou no processamento deles poderia se transformar numa catástrofe ambiental e sanitária na Capital Federal. Poderia, inclusive, introduzir no território do DF micro-organismos hoje inexistentes, provocando danos tanto a saúde humana, quanto à animal. Ainda mais, por não se saber se a estrutura do Corpo de Bombeiros, da Defesa Civil e da Vigilância Sanitária teriam condições de dar uma resposta pronta e eficaz.
Decisão sem participação da sociedade
Além da importação do lixo hospitalar, há questionamentos por parte do Fórum de que a empresa não faz o devido processamento e separação dos resíduos, optando pela incineração de seu todo. Um maior volume de produtos queimados significa mais poluição atmosférica.
Por lei, o Conam-DF destina 20 de suas vagas a representantes da sociedade civil da Capital Federal. Há mais de um semestre, reuniões e deliberações têm sido realizadas com vacância de mais de 1/3 das vagas que cabem à sociedade civil. A paridade de membros do governo e essas entidades estão definidas no Decreto n. 38.001, de 7/02/2017, mas não está sendo respeitada pelo Poder Público. O Fórum de ONGs Ambientalistas do DF entende que todas as decisões tomadas sem a participação da sociedade estão viciadas e carecem de legalidade. É sempre bom lembrar, que no passado a Justiça revogou a validade de decisões urbanísticas adotadas pelo Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF – Complan, exatamente por esse motivo. O Fórum vai além, entende que pela importância e delicadeza do tema, deveriam ser convocadas audiências públicas, tanto pelo Executivo, quanto pelo Legislativo, mas o que ele observa é uma pressa injustificável de transformar Brasília na lata de lixo hospitalar do país.