Há 30 anos, Brasília entrava num seleto grupo de cidades consideradas Patrimônio Cultural da Humanidade. A criação revolucionária de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer era inscrita na lista da Unesco, que confirmava o seu valor excepcional e universal.
O status conferido à capital brasileira foi uma decisão inédita, pois a cidade era o primeiro bem contemporâneo com tal reconhecimento. Até então, somente bens culturais seculares eram tombados.
Um dos motivos dessa distinção foi o fato de Brasília constituir \”uma realização artística única, uma obra-prima do gênio criativo humano, além de ser exemplo de destaque que ilustra um estágio significativo da história da humanidade com a concepção urbana materializada no século 20, expressando os princípios do movimento moderno\” , relata a Unesco.
Brasília introduziu um novo modo de viver. É a cidade-parque, é céu, horizonte, luz, amplos espaços, áreas verdes, eixos, tesourinhas, balões, superquadras, blocos, pilotis. Esse estilo refletiu na organização de novas cidades e bairros, dentro e fora do Brasil.
Mas ao honorificar Brasília, a Unesco e todas as nações do Planeta deixaram um dever de casa aos governos do Brasil, do DF e aos brasilienses: “a obrigação de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações” esse patrimônio cultural e “tudo fazer para esse fim”, inclusive “tomar as medidas jurídicas, científicas, técnicas, administrativas e financeiras adequadas para a identificação, proteção, conservação, valorização e reabilitação desse patrimônio”.
Dever de casa
Tombar Brasília foi uma jogada de mestre do então governador José Aparecido de Oliveira. Assim passaria a existir um freio legal e internacional às ofensivas da indústria imobiliária e da grilagem. O que ninguém contava é que o Poder Público, incumbido de proteger a cidade, se transformasse em um dos principais agentes de deturpação do projeto original.
Deturpações traduzidas em marcos jurídicos, projetos de lei, ações e omissões dos agentes públicos. Iniciativas como as do PPCUB do ex-governador Agnelo Queiroz (PT), que, dentre outras agressões, privatizava lotes de escolas públicas nas superquadras, ou as de Rodrigo Rollemberg (PSB), que projeta um shopping aberto nas proximidades do estádio Mané Garrincha.
Omissões quando os olhos se fecham à proliferação de quiosques, puxadinhos e puxadões. Ações, quando ganham leis protetoras na Câmara Legislativa. Na Capital Federal, o errado parece ser o certo e erra quem rejeita o que está errado.
A mais recente agressão ao projeto mundialmente reconhecido de Lúcio Costa é o fim da setorização utilizada para organizar essa urbi. Além de querer introduzir atividades econômicas onde apenas o residencial é previsto, agora quer transformar em residenciais setores econômicos, como o Bancário e o Comercial Sul.
Isso, sem falar nas investidas de alteração dos gabaritos em áreas internas do Plano Piloto. Tudo para atender a insaciável indústria imobiliária, que busca, com as alterações, ampliar o seu mercado consumidor e, consequentemente, maiores preços, já que a demanda é quem dita o mercado.
O marco dos 30 anos não deveria ter passado em branco. Neste momento de astral baixo da cidadania brasileira, deveria ter sido motivo de festas e regozijo de todos, já que é um sinal da capacidade inventiva dos brasileiros.
Também deveria ser um momento de reflexão sobre o futuro de nossa cidade face às pressões advindas por todos os lados e sobre os papéis desempenhados pela União e pelo Distrito Federal na preservação desse patrimônio e do futuro que se desenha para a Capital Federal.
Construir Brasília foi um desafio. Desafio maior é preservá-la. Mas nossa classe política parece mais interessada nas articulações das chapas que concorrerão nas urnas eleitorais. Projeto de cidade? Nenhum.
É bom, porém, que todos estejam alertas. Para os candangos de coração prevalece o lema recentemente lançado pelo site Olhar Brasília, das jornalistas Márcia Zarur e Samantha Sallum: Mexeu com Brasília, Mexeu Comigo, ou melhor, diria eu, Mexeu com Brasília, Mexeu com todos nós!