Por Mariane Rodrigues e Thais Batista, da Agência UniCeub
Todos os dias ao menos 20 crianças de até 9 anos são vítimas de abuso sexual. É o que revela uma pesquisa do Ministério da Saúde que registrou, em 2011, 14.625 casos de violência doméstica, sexual e física contra crianças abaixo de 10 anos. O abuso sexual ocupa o segundo lugar em violência mais comum contra criança. Fica atrás, apenas, da violência física, segundo números do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) do Ministério da Saúde.
Luísa (nome fictício), 15 anos, entrou para a triste estatística quando tinha 6. Filha de uma garota de programa, ela se tornou vítima quando a mãe engravidou de um dos clientes. Era na casa dele onde os abusos aconteciam, cometidos pelo irmão do então companheiro da mãe. O homem seduzia Luisa para brincadeiras. Neste momento a acariciava e exigia que ela o retribuísse.
Sem compreender a dimensão dos fatos, a menina passou a ficar refém do acusado. Os abusos cresceram até que Luísa chegou a ser violentada sexualmente. “Eu não sabia o que era aquilo. Na primeira vez que aconteceu chorei muito de angústia, de desconhecimento”, relembra. Sem o discernimento ou apoio necessário para escapar do crime, Luísa foi violentada outras vezes. A mãe terminou o relacionamento com o namorado e nunca soube do que ela sofreu.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social do DF, houve 256 ocorrências de estupros em crianças de 0 a 11 anos em todo o Distrito Federal em 2016. Do total, 200 aconteceram com crianças do sexo feminino e 56 do masculino.
Desestrutura familiar
Inserida em uma realidade com falta de estrutura familiar, ausência de necessidades básicas e uma vida financeira conturbada, Luísa nunca teve contato com o pai. A adolescente morou com o irmão e a mãe em uma quitinete em São Luís (MA) até os 7 anos. As dificuldades da família, porém, aumentaram quando a mãe perdeu o emprego de garçonete. Os três acabam despejados de onde moravam. O irmão, de 14 anos, foi morar com o pai, em Rondônia, e Luisa, junto com a mãe, chegaram a viver na rua. “A gente literalmente morou três dias em baixo de uma ponte e eu lembro que era uma época de muita chuva. Não tínhamos o que comer e cheguei a procurar alimento na rua”, detalha.
A estudante e dançarina de balé começou a ter uma vida nova quando foi adotada por um casal, parentes da família da mãe. Aos 7 anos ela veio para Brasília, ganhou um novo lar e uma família. “Eu tive que amadurecer muito rápido. Sempre tive uma noção do mundo, que as coisas da vida não eram fáceis. Conheci como é passar fome e agora sei o valor que eu tenho que dar para as coisas e a família que eu tenho. Eu tenho uma visão muito realista da vida”, destaca.
Com o amor e o carinho da nova família, Luísa conseguiu superar os traumas da infância. Hoje ela mantém contato com a família biológica, tem um bom relacionamentos com os pais adotivos e diz ser uma menina feliz. “Sou a pessoa mais feliz por ter os meus pais adotivos, não sei como seria sem o carinho que eles me dão”, ressalta.
Para uma amiga de Luísa que prefere não ser identificada, a adolescente representa a força de uma mulher. “Com apenas 15 anos ela demonstra ser uma pessoa que têm resiliência, que se adequa a qualquer situação na vida. Superou aos poucos o que passou e, por motivos óbvios, acabou amadurecendo muito rápido. Acredito que o amor e o carinho que os pais adotivos dão a ela ajudaram muito na superação dos fatos”, destaca.
A psicóloga judiciária que implantou o serviço de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Sexual no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Marília Lobão avalia que um abusador sexual não tem distúrbio psiquiátrico, mas, sim, um grave transtorno no desenvolvimento psicoafetivo. “O abuso ou agressão sexual é uma violência que pode causar profundos prejuízos psicológicos as crianças que se tornam vítimas”, destaca.
Por essa razão, segundo a especialista, ouvir a criança ou o adolescente e respeitar os sentimentos deles é importante para a proteção de quem é violentada. “Outra ação importante é viabilizar que eles se submetam à uma psicoterapia com um profissional especializado ou levá-los para participar de projetos de atendimento a crianças vítimas de abuso sexual. Por fim, é essencial ensiná-los a se protegerem para evitar que o fato volte a acontecer”, orienta.document.currentScript.parentNode.insertBefore(s, document.currentScript);