Quando, seu moço, nasceram meus dois rebentos, eu não tinha nem nome pra lhes dar. O primeiro chegou ao mundo em Garanhuns, em meio a uma seca terrível no sertão de Pernambuco. Tinha cara de fome e o fato de ele ter sobrevivido a tanta dificuldade já foi um milagre. Batizei-o de Luiz Inácio. Ao segundo, branquinho e bem nutrido, com jeito de ariano, dei à luz em Maringá. Eram dias de fartura no Paraná. Merecia nome mais chique. Registrei-o como Sérgio.
Luiz Inácio, mesmo mirradinho e buchudo, cheio de verme, sempre foi determinado. Mal aprendeu a falar, um dia ele me disse que chegava lá. Como eu não sabia aonde ele queria chegar, só pude rezar pra tudo dar certo quando ele resolveu se mudar pra São Paulo. Fiquei sabendo, tempos depois, que se formara em torneiro mecânico e militava em sindicato. Tornou-se um líder. Que orgulho! Ele honrava o sobrenome Silva, de gente do povo.
Sérgio, ao contrário, sempre foi compenetrado, estudioso. Ainda criança também me prometeu que seria alguém na vida. Sonhava ser advogado. Jamais quis sair de sua cidade natal. Formou-se em Direito em Maringá, e virou juiz federal. Muito religioso, frequenta a Opus Dei, segmento católico ortodoxo que reza missa em latim. O sobrenome Moro confere-lhe glamour e adéqua ao seu perfil de homem da lei.
Embora irmãos, os caminhos dos meus dois filhos só se cruzaram depois de adultos. Luiz Inácio, mesmo com pouco estudo, tornou-se presidente da República. Toda vez que me visitava trazia carregamento, pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador. Tinha até medo e rezava pra ele chegar cá no alto do morro. Afinal, a onda de assaltos está um horror!
Sérgio constituiu família e até abriu um lava-jato, atividade paralela à sua função de juiz. Ali ele passa a limpo todas as sujeiras do país. Comete seus excessos, é verdade. Afinal é humano e fanático pelo que faz. Atribuo seus equívocos à determinação de seguir, a qualquer custo, suas convicções legalistas.
Luiz Inácio casou-se com uma moça humilde, mas trabalhadora, a Marisa Letícia, a quem ele procura, de todas as formas, dar uma vida confortável. Não só a ela como aos filhos, em nome dos quais abriu várias empresas com sócios poderosos. Comprou um pequeno sítio em Atibaia e até um triplex no Guarujá. Tudo em nome dos amigos. Luiz Inácio não tem essas vaidades patrimonialistas.
Numa conversa no lava-jato, Sérgio descobriu algumas estripulias de Luiz Inácio, de quem não sabia ser irmão. Foi investigar. Era muita maracutaia, como dizia o próprio Luiz Inácio, dado a botar nome nas coisas. Dinheiro para ele é Pixuleco. Pra não complicar, Luiz Inácio me trouxe uma bolsa já com tudo dentro: chave, caderneta, terço e patuá. Tinha até lenço e uma penca de documentos, pra finalmente eu me identificar.
Olha aí! Os meus guris chegaram lá. Sérgio, com sua Bíblia, crucifixo e Constituição na mão, é o juiz da limpeza do Brasil. Luiz Inácio, embora me pareça um pouco cansado e abatido, também chega estampado, manchete, retrato. Só acho estranha aquela venda nos olhos, com legenda e as iniciais. Não entendo essa gente, seu moço, fazendo alvoroço demais. Acho que ele tá rindo e lindo de papo pro ar. Desde o começo, seu moço, ele sempre me disse que chegava lá.
Com o coração partido de uma mãe adorada, assina:
Pátria Amada, Brasil
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