Mario Pontes (*)
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Só o esquecimento dos fatos históricos parece explicar a aceitação, bastante ampla, da alegação dos senhores da Europa de que os gregos são gastadores irresponsáveis, e por isso devem pagar caro pelos seus excessos.
Quem visitou a Grécia em tempos recentes – não digo no mês passado – guarda de seu povo uma imagem de sobriedade. Nas ruas, muitas lambretas e poucos carros. Nos lugares visitados pelo turista comum (não aquelas ilhas procuradas pelos frequentadores de cassinos, por exemplo), nada que sugira estímulo ao desperdício, ao consumismo desenfreado.
E quem via Atenas de algum local duzentos, trezentos metros acima do nível do mar, surpreendia-se com a quantidade de pequenos painéis solares nos tetos das casas e edifícios residenciais.
Aquele que já leu, com atenção, a história da Grécia, não escrita sob a égide de alguma ideologia dominante, sabe que desde o início da era cristã os gregos estiveram rebaixados à condição de pano de chão de uma longa sequência de conquistadores – romanos, godos, normandos, búlgaros, venezianos e finalmente turcos – que além de oprimir esmeraram-se no saque.
Em 1821, com poucas armas na mão, os gregos levantaram-se contra o domínio turco. No início, só receberam apoio de pequenos grupos de voluntários estrangeiros, entre os quais contavam jornalistas e poetas impulsionados pelos ideais do romantismo. Quando já haviam praticamente derrotado os ocupantes, ao preço de muito sangue, algumas potências européias resolveram ajudá-los…
A Inglaterra, em particular, cobrou caro pela sua ajuda. Impediu a criação de uma república e impôs aos gregos um rei importado da Baviera, depois outro da Dinamarca… A república só seria criada em 1924, para dar lugar, cerca de dez anos mais tarde, a um novo reinado. Cujo titular no início da década de 1940 tratou de escafeder-se no momento em que o país era invadido pelos exércitos de Hitler e o povo pegava suas espingardas para enfrentá-los.
Vencidos os alemães, os gregos logo tiveram de lutar contra um levante comunista, cujos cordões eram manejados de fora, pois o objetivo, que ninguém ignorava, era transformar o país num satélite da Rússia stalinista, à semelhança do que já acontecera com as vizinhas Albânia, Bulgária, Iugoslávia. A contrapartida foi um longo e sombrio ciclo de ditaduras militares.
Só em 1977 o país voltaria a eleições. E durante decênios os gregos confiaram seu governo aos socialistas, que apesar das dificuldades econômicas, conseguiram alguns êxitos significativos no combate à miséria, à desigualdade e ao subdesenvolvimento.
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Criou-se então a União Européia, que apesar dos bons propósitos dos seus fundadores, acabaria por cair sob a tutela do FMI, o controle dos grandes bancos e, por fim, da desconfortável supremacia alemã.
Contra a prevalência do implacável liberalismo econômico na União Européia, os gregos tiveram mais uma vez de erguer a cabeça e dizer não. É certo que, em determinados momentos, seus dirigentes cederam às imposições do FMI e dos bancos, sempre dispostos a promover a sangria dos mais fracos. Para justificar seu incontrolável apetite, colam na cara dos gregos a pecha de gastadores irresponsáveis. O que, descontados os Onassis de sempre, eles nunca foram.
(*) Jornalista, escritor e tradutor. Ex-editor do Jornal do Brasil