Cristovam Buarque (*)
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Durante séculos, os europeus e americanos, do Norte e do Sul, arrancaram africanos de suas vilas e famílias, transportando-os forçadamente em navios negreiros para escravizá-los. Graças a investimentos na educação, ciência e tecnologia, os europeus conseguiram realizar o imenso sucesso da civilização industrial. O sucesso da Europa e a estagnação da África criaram um novo tipo de navio negreiro, transportando africanos empurrados pela fome. Mudou o mar, a direção dos barcos, o tipo de algemas, mas não mudou a ética.
Quando o continente europeu sofreu escassez, as Américas receberam dezenas de milhões de pobres europeus. Agora, a Europa constrói um “muro” para impedir a entrada de africanos esfomeados. Em algumas semanas, morreram mais africanos na “Cortina de Ouro” do Mediterrâneo do que durante todo o tempo da “Cortina de Ferro” que separava a Europa Ocidental da Europa Oriental.
Os livros “O Erro do Sucesso – a Civilização Desorientada e a Busca de um Novo Humanismo\”, 2014, “O que é Apartação”, 1993, e “A Cortina de Ouro”, 1994, propõem que as grandes crises do mundo de hoje – desigualdade, migração, ecologia, terrorismo – decorrem do sucesso da civilização industrial que se protege deles construindo “muros”. A tragédia no Mediterrâneo é a mais visível desses “Erros do Sucesso” e da “Cortina de Ouro” para implantar a “Apartação Global”.
Não fosse a riqueza europeia, os africanos não se apinhariam em frágeis barcos, sujeitos à morte, fugindo da pobreza. Isso não seria necessário se a riqueza criada ao longo dos últimos séculos tivesse se distribuído por todo o planeta. A crise ecológica não ocorreria se o avanço técnico tivesse criado uma economia harmônica com a natureza. O terrorismo praticamente não existiria se o sucesso europeu respeitasse as diferenças culturais.
“Erro do Sucesso\”, “Cortina de Ouro\”, “Apartação Global” decorrem do fato de que o magnífico avanço técnico não esteve sujeito à orientação ética. Faltam uns óculos capazes de mostrar a estupidez e a injustiça do modelo seguido pelo progresso da civilização industrial. Oskar Schindler percebeu a imoralidade da perseguição de judeus e os contratou em sua fábrica, para salvá-los do holocausto.
A Europa nega-se a dar emprego aos africanos ou a investir em educação e empregos na África. Prefere barrá-los no outro lado do Mediterrâneo ou deixar que morram afogados na travessia. Seus dirigentes reúnem-se para descobrir como barrar os africanos, como devolvê-los à asfixiada África.
Não adiantará a construção de uma “Cortina de Ouro” separando pobres e ricos. Os pobres migrarão de qualquer forma: morrerão no caminho, desmoralizando a moral cristã dos ricos, ou inundarão a Europa comprometendo o modelo europeu.
A saída é uma mudança de ótica que leve a uma nova ética, óculos de Schindler para reorientar o progresso global, distribuindo seus benefícios com a África, como os EUA fizeram para reconstruir a Europa depois da II Guerra.
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(*) Professor Emérito da UnB e senador pelo PDT-DF.
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