A vida de Karen Karelliny Alves de Almeida, 22 anos, sofreu uma reviravolta. A moça, que cursava Enfermagem e fazia planos para a carreira, hoje está cega, perdeu parte das funções motoras e passa 24 horas na cama, assistida pela mãe, dona Lucimar Alves da Silva, de 60 anos. “Ela deu entrada no hospital com uma pneumonia e saiu de lá assim”, desabafa a senhora. Agora, além de lutar por uma indenização, a família precisa contar com a solidariedade de conhecidos, que se mobilizam como podem para ajudar.
Segundo a mãe, o quadro de Karen decorre de uma lesão à veia cava, provocada durante uma toracotomia, feita no Hospital de Base. A jovem chegou a ter derrame pleural, que é o acúmulo excessivo de líquido entre o pulmão e a caixa torácica, e teria ficado sem oxigenação no cérebro por quase uma hora, devido ao suposto erro médico.
A lesão é citada no relatório assinado pelo médico Carlos Eduardo Araújo Faiad, do Núcleo Regional de Atenção Domiciliar de Samambaia (Nrad), que assiste Karen com oferta quinzenal gratuita de fisioterapeuta e clínico geral. “Ela precisa de um neurologista também. Ninguém sabe nem dizer com certeza se ela está cega, mas eu já percebi que sim”, queixa-se a mãe da moça.
O caso foi em 2012, mas Lucimar só buscou a Justiça, em nome da filha, neste ano, quando entrou com pedido de ação indenizatória contra o GDF. Ela pede R$ 2 milhões e, enquanto o processo tramita, ainda tenta receber benefício da Previdência Social, o que lhe teria sido negado anteriormente, pois ela ainda estava empregada.
“Fiquei tão perturbada que, no começo, nem lutei pelos meus direitos”, confessa Lucimar, hoje dependente de doações e da boa vontade de vizinhos para se manter em uma casa na QR 519 de Samambaia. “Isso tudo mexeu mesmo com meu psicológico. Tive que engolir a seco, é a pior coisa que tem. Como em um dia sua filha está boazinha e depois não consegue mais falar nem sair da cama?”, emociona-se.
Confiantes na esperada vitória
O advogado de Karen, Lairson Rodrigues Bueno, acredita na vitória da cliente na Justiça, mas prevê pelo menos mais um ano do processo se arrastando no tribunal. “Devemos ganhar em primeira instância, mas o Estado vai recorrer. Temos percebido essa tendência ao assistir a outros casos”, conta.
A mãe de Karen, Lucimar, conseguiu ajuda por meio de uma campanha criada por uma vizinha, que se sensibilizou com a história. Ainda assim, as despesas e necessidade por suprimentos são constantes. Ela consegue alimentos específicos como módulos de caseína e de fibras solúveis e insolúveis por meio da Central de Distribuição da Secretaria de Saúde, mas fraldas geriátricas tamanho G, comida de maneira geral, sabonetes e outros utensílios são bem-vindos.
A luta de Lucimar, agora, é por um leito de hospital onde possa tratar melhor da filha. “Já deixaram ela assim, então ela deveria estar em um lugar adequado, como o Hospital Sarah Kubitschek. Não me importo de morar em hospital, mas não é justo minha filha morrer assim, em cima de uma cama”, desespera-se. Ela diz que o tempo de indignação já passou, então, conclui, o momento é de se adaptar à realidade.
Versão oficial
De acordo com a Secretaria de Saúde, não existe nenhum processo jurídico na SES-DF que conste esse relato de erro médico. A pasta afirma ter sido feita apenas uma drenagem torácica na paciente em 27 de julho de 2012 e informou que a paciente é acompanhada pelo Hospital de Apoio. “A SES-DF ressalta que denúncias e reclamações podem ser realizadas através dos canais de comunicação da Ouvidoria. Telefone 160 e formulário disponível no site”, concluiu a secretaria, por meio de nota. O Conselho Regional de Medicina não se manifestou.
Ponto de vista
A Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró- vida), do Ministério Público, investiga cerca de 150 processos onde há suspeita de erro médico. “Estamos atrás de possíveis crimes. E tem de tudo. Não apenas erro, mas também abuso sexual e omissão de socorro”, diz o promotor Thiago Gomide Alves. Segundo ele, a maioria das investigações não aponta a existência de imperícia médica. “São duas hipóteses de não-confirmação: uma é quando se comprova cabalmente que não houve erro, com documentação e análises; outra é quando não são colhidas todas as provas. Às vezes, falta o prontuário médico ou a família sepulta o falecido sem ter feito necropsia”, explica. Para o promotor, é grande a quantidade de pedidos de investigação devido ao alto grau de instrução no DF.