Mario Pontes
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Para os filósofos conservadores da Grécia antiga – como Platão, que saiu voluntariamente de casa para ser conselheiro de um ditador siciliano –, rir era próprio dos macacos e não dos homens. Durante séculos, muitos religiosos pensaram de modo semelhante. A reação, como é frequente na História, veio dos poetas. No caso grego, do maior poeta da época, Homero, que em sua obra registrou o “riso imenso dos deuses”. Mas como nada é uniforme, o riso – essa dádiva do Céu – às vezes também serve aos propósitos dos inimigos do Homem. Para confirmar, basta dar uma olhada na iconografia dos grandes assassinos políticos do século XX.
Por isso, não pude conter meu mal-estar, noites atrás, quando uma emissora de tevê me trouxe a imagem de um economista brasileiro, muito cotado (segundo o entrevistador) nas hostes do chamado neoliberalismo. Para começar, ele engrossou o coro dos colegas que descrevem a economia brasileira como uma porcaria. Nenhuma novidade; afinal, são dezenas os que, faute de mieux, repetem juízos semelhantes.
O que afinal fez meus poucos pelos se eriçarem foi ouvi-lo dizer que, para desmanchar o nosso amontoado de erros é imperioso fazer o mesmo que os órgãos centrais da economia europeia fizeram com os países filiados ao euro: acabar com milhões de empregos, deixar multidões de trabalhadores sem ter onde morar – como testemunha a foto emblemática daquela massa de desempregados gregos dormindo no chão da Praça Syntagma, diante do edifício do Parlamento. E, se quiserem mais um detalhe: chutar para a “pobreza” e a “exclusão” o equivalente aos 27 milhões de crianças européias já mandadas para esses abismos sociais, tal como são referidas na página 28 de O Globo de 16-04-2014.
Meu mais longo arrepio, no entanto, ocorreu quando constatei que o valente cavaleiro da desigualdade e da fome riu feliz, quase gargalhando, durante toda a entrevista. Revi meus antigos conhecimentos sobre o riso, especialmente no plano da História, e reiterei para mim mesmo:
– Calma! Como tudo é bifronte, não se surpreenda com o fato de que o Diabo também ri, dentes à mostra, ao celebrar as desgraças que o homem impõe ao homem.
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Mario Pontes, antigo redator do JB, escritor e tradutor, mora no Rio de Janeiro