Nathália Guimarães
Na quarta-feira (29), dia seguinte à operação das forças de segurança pública do estado que deixou um rastro de destruição e 132 mortos na capital do Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL) avaliou os resultados como “um sucesso”. Segundo as autoridades estaduais, 81 suspeitos foram presos e 93 fuzis, apreendidos.
“Temos muita tranquilidade de defender tudo que fizemos ontem. Queria me solidarizar com as famílias dos quatro guerreiros que deram a vida para salvar a população. De vítima, só tivemos esses policiais”, afirmou Castro em coletiva à imprensa, ignorando a dor das outras 128 famílias enlutadas pela mais letal ação policial em território fluminense.
A ofensiva da terça-feira (28), que contou com mais de 2.500 agentes das forças de segurança, começou nos complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte da cidade, e tinha como objetivo cumprir 100 mandados de prisão e 150 de busca e apreensão contra lideranças do Comando Vermelho (CV).
Até as 12h de quarta (29), moradores do Complexo da Penha enfileiraram mais de 70 cadáveres na praça pública São Lucas, no bairro, a maioria com marcas de tiros na cabeça, o que sugere execução sumária. Os corpos foram encontrados em uma área de mata onde houve intenso confronto entre policiais e bandidos.
Corpos na Penha. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
PLANEJAMENTO – A megaoperação de terça teve reflexos por toda a cidade. Mesmo com o uso de blindados, granadas, armas de alto calibre, os policiais foram recebidos por bandidos igualmente bem armados, inclusive com drones, o que resultou em intenso tiroteio em ao menos seis bairros. Dois policiais civis e dois do Batalhão de Operações Especiais (Bope) foram mortos.
Durante a entrevista, Castro garantiu que a ação foi planejada com 60 dias de antecedência, com anuência do Ministério Público do Rio. “Todos os preceitos da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] foram cumpridos”, afirmou o governador, em referência ao conjunto de regras validado em abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que definem como devem ser feitas as operações policiais em comunidades.
RECUO – Numa tentativa de justificar a operação controversa, Cláudio Castro acusou o governo federal de negar ajuda. “O Rio está sozinho. Infelizmente, desta vez, como ao longo deste mandato inteiro, não temos o auxílio de blindados nem de agentes das forças federais de segurança e da defesa”, declarou ainda na terça (28).
Horas depois, contudo, recuou, dizendo que foi “mal interpretado”. Após conversa com a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, ele se retratou e pediu apoio para a transferência de 10 chefes de facções para presídios federais, ação prontamente atendida pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senapen) — os detentos teriam sido responsáveis por ordenar de dentro da cadeia o bloqueio de pistas, sequestro de ônibus em vários pontos e outras ações de desordem como represália à operação.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que estava no Ceará, rebateu o governador fluminense e afirmou que “tem atendido, prontamente, a todos os pedidos” para o emprego da Força Nacional, em apoio aos órgãos de segurança estaduais. “Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP no Rio. Todas acatadas. Para esta operação específica, não houve qualquer pedido oficializado para uso de forças federais”.
PEC DA SEGURANÇA – Com o tema dominando os noticiários, Lewandowski defendeu a PEC da Segurança Pública, ao citar que a atual divisão de responsabilidades na área de segurança pública pode ser superada com maior cooperação entre os diferentes níveis de governo. “A responsabilidade hoje é, sim, dos governadores, no que diz respeito à segurança dos respectivos estados. O que propomos com a PEC é justamente coordenar as ações das forças federais, estaduais e municipais, fortalecendo o combate ao crime organizado”, explicou o ministro.
O texto, que deve ser enviado em breve ao Congresso Nacional, prevê uma integração entre forças federais, estaduais e municipais no combate ao crime organizado. O presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Rep.-PB), garantiu que o tema será debatido assim que chegar para análise dos parlamentares. “Combater a violência e fortalecer a segurança pública é prioridade. É um tema urgente para o Brasil”.
A proposta, porém, enfrenta resistência de governadores de oposição, que alegam que a União estaria tentando usurpar prerrogativas legais dos estados e do DF. O próprio Cláudio Castro se mostrou reticente em relação à PEC da Segurança, que na avaliação dele, deveria ser “melhor discutida” para não criar “uma bagunça maior ainda na segurança pública”.
Saiba +
Em nota, o Ministério da Justiça informou que o estado do Rio recebeu R$ 143 milhões do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) desde 2016, mas utilizou menos de um terço disponível: R$ 39 milhões. Já o repasse total via Fundo Nacional da Segurança Pública (FNSP) foi de R$ 331 milhões, dos quais R$ 157 milhões foram executados. Já o Ministério da Defesa afirmou ter recebido um pedido do governo do Rio, em janeiro de 2025, para o uso de blindados após a morte de uma oficial da Marinha, e informou que os veículos foram posicionados dentro do perímetro permitido por lei.