Ana Mendonça
A duas semanas da 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), que será realizada em Belém de 10 a 21 de novembro, o Brasil enfrenta um dilema que ameaça a credibilidade do país como anfitrião e potencial liderança climática. A autorização do Ibama para que a Petrobras inicie a pesquisa para possível exploração de petróleo na Foz do rio Amazonas, concedida no dia 20 de outubro, reacendeu críticas sobre a coerência da política ambiental brasileira.
O licenciamento, que libera a pesquisa de petróleo no bloco FZA-M-59, a 175 km da costa do Amapá, é resultado de cinco anos de análises e discussões técnicas entre órgãos ambientais e a petroleira. Apesar do caráter técnico da decisão, especialistas consideram a medida um retrocesso simbólico e político, justamente às vésperas da COP30, evento que terá a Amazônia como palco central.
“O governo brasileiro atua contra a humanidade ao estimular mais expansão fóssil, contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global”, criticou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. Para ela, a medida representa uma “dupla sabotagem”: tanto à luta climática global quanto à própria COP30, cuja meta central é justamente discutir a transição para longe dos combustíveis fósseis. Para Suely, a licença para perfurar petróleo na Amazônia “enterra a pretensão do país de se apresentar como líder climático global”.
CONTRADIÇÃO – A exploração petrolífera na margem equatorial, que abrange do Amapá ao Rio Grande do Norte, pode anular avanços que o Brasil tenta projetar na agenda ambiental. Estudos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) indicam que, caso todo o petróleo estimado na área seja extraído e queimado — algo entre 10 e 30 bilhões de barris —, as emissões resultantes poderiam chegar a 13 bilhões de toneladas de CO₂, equivalentes a um ano de emissões combinadas da China e dos Estados Unidos.
Essa perspectiva vai na contramão das metas que o País defende nas conferências climáticas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem reiterado o desejo de fazer da COP30 “a COP da Verdade”, tem cobrado que líderes mundiais assumam compromissos mais ousados de descarbonização. A liberação do projeto, porém, gera desconfiança internacional sobre a disposição do Brasil em seguir o mesmo caminho.
PRESSÃO – Analistas apontam que a decisão pode fragilizar o protagonismo diplomático brasileiro. Países europeus e organizações ambientais devem questionar a coerência entre o discurso de liderança verde e a ampliação da produção de petróleo, uma vez que o governo planeja transformar o Brasil no quarto maior produtor mundial até 2029.
Para autoridades locais, como o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), a decisão é resultado de muitos anos de estudos técnicos. “Apesar do nome, estamos falando de 540 quilômetros de distância da foz do rio Amazonas, em mar profundo, onde a Petrobras é uma das empresas com maior qualidade exploratória, o que traz segurança técnica”, afirmou.
A argumentação do governo enfatiza, ainda, que países vizinhos, como Suriname e Guiana Francesa, já exploram petróleo na região, e que, sem expansão da oferta, o Brasil poderá precisar importar petróleo em 15 anos. “Seria um contrassenso abrir mão de um ativo nacional estando todas as questões ambientais resolvidas”, disse um representante da estatal.
Assim, a Petrobras é vista como instrumento para financiar a transição energética. “O que defendemos é que as riquezas da Petrobras se tornem a principal fonte para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, investir em energias eólica e solar e fortalecer uma matriz energética mais limpa. Hoje, 82% da matriz brasileira já é renovável, mas é possível avançar mais”, explica Barbalho.
RIGOR – Para a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a licença para a prospecção de petróleo tem caráter técnico e, num primeiro momento, serve exclusivamente para estudos. Segundo ela, a exploração só poderá ocorrer após a conclusão das análises.
“A licença para a prospecção de petróleo na margem equatorial é para os estudos para verificar se tem petróleo em quantidade e qualidade. Depois é feito todo o processo de exploração. Neste momento é a prospecção”, explicou em entrevista ao Canal Gov, reforçando que a liberação foi feita após 11 anos de análises do Ibama. “É fundamental a contratação dos estudos, etapa obrigatória em qualquer bacia nova.
Marina reiterou que todo o trabalho dos técnicos do Ibama foi feito com rigor. “Essa licença vem sendo apreciada desde que o projeto era de uma empresa privada, e depois passou para a Petrobras. Esse processo vem desde 2014”, lembrou a ministra.