Tersandro Vilela (*)
Tilly Norwood não nasceu, não envelhece e não tem corpo físico. Ainda assim, foi apresentada ao mundo como “atriz”, e sua chegada reacendeu em Hollywood o debate sobre os limites da automação criativa.
Confirmadamente, Tilly é uma personagem digital criada pela produtora britânica Particle6, por meio do estúdio de IA Xicoia, sob direção da cineasta e pesquisadora Eline Van der Velden.
O lançamento ocorreu em Zurique, durante um evento do mercado audiovisual europeu, acompanhado do curta paródico AI Commissioner e de perfis nas redes sociais criados para simular a vida de uma atriz.
A repercussão, também confirmada, foi imediata. O sindicato SAG-AFTRA, que representa atores e dubladores dos Estados Unidos, emitiu nota oficial afirmando que Tilly “não é uma atriz”, mas um produto de software.
A entidade acusa os produtores de usar materiais de performances reais sem autorização ou pagamento, alegação ainda não comprovada judicialmente, mas que reacende discussões éticas sobre direitos de imagem e propriedade artística.
A atriz Emily Blunt declarou ao The Guardian considerar o caso “assustador” e defendeu que “a criatividade deve permanecer centrada no humano”.
Outras figuras da indústria manifestaram preocupação semelhante, classificando o projeto como um “teste de limites” de Hollywood após as greves de 2023 e 2024, que resultaram em cláusulas específicas para o uso de “performers sintéticos”.
Eline Van der Velden, por sua vez, defende que Tilly é um experimento artístico, comparável a “um novo pincel”, e não uma substituta dos atores reais. Em entrevistas à Variety e à Vice, ela afirmou que a personagem foi criada para explorar as fronteiras entre tecnologia e narrativa, não para ameaçar empregos.
Há relatos de interesse inicial de agentes e estúdios em explorar Tilly em produções, mas nenhum contrato formal foi confirmado até o momento.
O caso, amplamente coberto por veículos internacionais como Le Monde e The Verge, coloca Hollywood diante de um impasse inédito. Quem autoriza o uso de rostos, vozes e microexpressões em bancos de dados de treinamento? Como remunerar os artistas que servem de base para os algoritmos? E até que ponto o público aceitará protagonistas sem biografia humana?
Enquanto essas perguntas seguem em aberto, Tilly Norwood torna-se símbolo de um debate maior: a velocidade com que a inteligência artificial avança sobre territórios criativos antes regulados pela experiência humana. Por ora, ela existe apenas nas telas, mas o desconforto que provoca é real.