(*) Do Sinpro-DF
O conjunto de leis que regula o funcionalismo público está prestes a sofrer alterações no Congresso Nacional. A proposta de alteração na Constituição Federal, que está sob relatoria do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), tem como objetivo alterar prerrogativas de servidores públicos, como estabilidade de carreira, tornar a contratação temporária regra principal e outras mudanças em concursos públicos.
Se essas regras forem implementadas, irão distorcer a função social e a autonomia do funcionalismo, definidos pela Carta Magna, num grau capaz de destruir a natureza do serviço público. É uma verdadeira demolição do funcionalismo e do serviço público. Só o nome usado pela mídia (reforma administrativa) já mostra de que lado estão imprensa e Congresso.
IDEOLOGIA NEOLIBERAL – A palavra “reforma” designa uma confusão momentânea com o propósito de deixar algo mais moderno, bonito e funcional. Não é o nome mais adequado para se referir a uma proposta de alteração legal que vai destruir direitos de servidores e cidadãos. Mas as palavras “reforma” e “administrativa” tornaram-se indissociáveis e, com essa pequena construção linguística, a imprensa e alguns setores da sociedade tornam palatável algo intragável. Uma visão de ideologia neoliberal imposta sem questionamentos e sem nenhum debate de ideias.
A transformação de uma demolição em reforma não para por aí. A cobertura da imprensa a respeito da tramitação da “reforma administrativa” desenha uma lógica capitalista em que o Estado precisa ser eficiente e rentável. Essa lógica neoliberal vai contra a Constituição, que define a educação como direito social fundamental e a saúde como direito de todos, garantido por políticas sociais e econômicas do Estado para reduzir riscos e promover o acesso universal e igualitário a ações e serviços. Essa lógica rentista, de eficácia de custos, permeia todas as argumentações construídas na imprensa a favor da reforma administrativa. Listamos algumas delas:
Estado perdulário – Os textos na imprensa tradicional defendem que o Estado é perdulário , esbanjador de dinheiro. Em editorial, O Globo afirma que “a Constituição de 1988 destinou fatias generosas do Orçamento público a áreas como educação e saúde”, e “o Estado brasileiro foi sequestrado por corporações encasteladas na máquina pública, interessadas em defender seus interesses em detrimento dos demais brasileiros”.
Ao determinar como dever do Estado prover aos cidadãos e cidadãs meios para acesso a saúde e educação, a Constituição automaticamente obriga todos os entes federativos a investirem nesses serviços. Isso não deve ser entendido como negativo. Ao contrário: é uma das características que lhe rendeu o título de Constituição Cidadã. Classificar saúde e educação como gasto é uma visão neoliberal – e inconstitucional.
Casta com privilégios – O mesmo editorial d’O Globo afirma que “o Estado brasileiro foi sequestrado por corporações encasteladas na máquina pública, interessadas em defender seus interesses em detrimento dos demais brasileiros”.
Contratação por concurso público, estabilidade e isonomia são prerrogativas do funcionalismo público brasileiro, e não privilégios. Servidor com estabilidade no emprego não tem medo de cumprir com suas funções. Servidor que não é indicado por políticos não tem obrigações éticas e morais com nenhum segmento político, apenas com o Estado brasileiro. Defender tais prerrogativas significa defender a excelência do serviço público oferecido a todos e todas.
Especialistas afirmam que (…) – Quem são os especialistas? Quais os argumentos deles? Existe algum especialista ligado a entidades de trabalhadores, como sindicatos ou centrais sindicais, dando depoimentos na imprensa? Feitas estas perguntas, observe o que afirma um especialista, consultor em gestão pública: “[os altos salários do funcionalismo público são] uma situação que habita a percepção do cidadão comum. Há grande indignação com setores do Estado voltados para seus próprios interesses”. Não há estudos, não há análises. Apenas a reprodução do senso comum. Esse “especialista” foi ouvido em audiência na Câmara Federal.
Bônus por desempenho / produtividade do Estado – Uma lógica que funciona com equipe de vendas e pode ser ampliada para outros setores de uma empresa particular. Mas a função-objetivo do setor público não é produzir valor econômico na forma de lucro, e, sim, gerar valor social, cidadania e bem-estar de forma equânime e sustentável ao conjunto da população por todo o território nacional.
Quando estendida ao setor público, deixará servidores expostos a situações de assédio moral, tentativas de extorsão ou qualquer outro tipo de corrupção ativa ou passiva no desempenho de suas funções. Se levadas a termo, essas tendências reduzirão o que resta de capacidade e autonomia relativa do Estado para agir em prol da democracia, da República e do desenvolvimento nacional.