Tersandro Vilela (*)
A Inteligência Artificial (IA) não está apenas transformando o modo como trabalhamos, aprendemos ou produzimos conhecimento. Cada vez mais, ela começa a influenciar a forma como nos comunicamos.
Um estudo da Florida State University analisou 22,1 milhões de palavras de podcasts de ciência e tecnologia, comparando períodos antes e depois do lançamento do ChatGPT em 2022, e encontrou um fenômeno curioso: palavras como multifacetado, meticuloso, estratégico e orgulhoso, antes mais comuns em ambientes formais, passaram a ser usadas com maior frequência em conversas informais.
Para os pesquisadores, trata-se de uma evidência de que a linguagem da IA está se infiltrando no vocabulário humano.
A investigação, conduzida por acadêmicos como Bryce Anderson, Riley Galpin e Tom Juzek, revelou que o aumento dessas palavras não foi acompanhado por sinônimos equivalentes. Isso sugere que não estamos apenas expandindo nosso vocabulário de forma orgânica, mas incorporando especificamente termos popularizados pela IA.
Os pesquisadores chamaram esse efeito de “seep-in”, ou infiltração lexical, um tipo de contaminação linguística em que expressões criadas ou repetidas por chatbots acabam se tornando parte do repertório de quem interage com eles.
Esse processo levanta uma questão que pode ser considerada por uns como fascinante e por outros como preocupante. Ao dialogar diariamente com sistemas treinados para soar sofisticados, não estaríamos adotando inconscientemente seus padrões de fala?
O estudo aponta que a influência vai além de palavras da moda, pois impacta a maneira como estruturamos ideias, como formulamos argumentos e até como buscamos transmitir credibilidade em situações cotidianas.
A linguagem não é apenas um veículo de comunicação, mas também um marcador de identidade, e a adoção de termos de conotação técnica pode alterar a forma como nos vemos e como somos percebidos.
Embora a pesquisa tenha se concentrado nos podcasts, o fenômeno tende a se expandir para outros espaços de interação, como vídeos online, transmissões de rádio, ambientes corporativos e textos automatizados.
Em um mundo hiperconectado, a repetição constante pode naturalizar essas escolhas de palavras, transformando uma curiosidade acadêmica em uma mudança cultural. Os próprios autores lembram que os dados são correlacionais, mas o indício é forte: a IA já não apenas responde ao que dizemos, ela começa a moldar o modo como falamos.