No primeiro dia de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em que o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados dele respondem por crimes contra a democracia, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, elencou provas da trama golpista e pediu a condenação de todos os integrantes do chamado “núcleo crucial”. Entre eles está o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem Gonet se referiu como maior beneficiário e líder da organização criminosa que tentou instaurar uma ditadura no país. A sessão foi encerrada às 17h53 e será retomada nesta quarta-feira (3), às 9h.
Primeiro a falar, o ministro Alexandre de Moraes fez a leitura do relatório de 884 páginas e deixou claro que o tribunal não se deixaria intimidar por coações e que não haveria espaço para impunidade.
“Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal: julgar com imparcialidade e aplicar a Justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas. Essa coação, essa tentativa de obstrução… elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes do STF”, afirmou.
Moraes também refutou o argumento da direita bolsonarista de que a anistia seria a melhor solução para pacificar o país. “Não se pode confundir a saudável pacificação da sociedade com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição federal. A História nos ensina que a impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação”.
Na sequência, o PGR, Paulo Gonet, responsável por apresentar a denúncia contra os oito acusados, ressaltou que a Constituição prevê instrumentos para proteger a democracia, entre eles o controle de constitucionalidade. Ao citar um material probatório robusto, defendeu punição rigorosa contra quem tenta aplicar golpe de Estado.
“Nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição belicosa, ultrajante dos meios dispostos pela ortodoxia constitucional para dirigir o seu exercício e para gerir a transição do poder político”, alertou.
Gonet acrescentou que, segundo a lei, o crime de golpe de Estado não precisa de uma ordem formal assinada pelo presidente da República, contraponto ao que argumenta a defesa de Bolsonaro.
“A organização criminosa documentou, ou titulou, a quase totalidade das ações narradas na denúncia por meio de gravações, manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens eletrônicas, tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva. Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados”, pontuou.
Defesas
Após pausa para o almoço, o julgamento recomeçou por volta das 14h com manifestações dos advogados de Mauro Cid. O primeiro a falar foi Jair Alves Pereira, que afirmou que o cliente não sofreu coação para depor. Também mencionou áudios vazados pela revista Veja, nos quais Cid se queixa de pressão e critica Moraes.
Pereira afirmou que o cliente revelou tudo o que sabia e que não tinha interesse em um golpe de Estado. “Após a derrota de Bolsonaro em 2022, Cid seguiu sua vida, planejando a mudança para Goiânia, onde os filhos já estavam matriculados em uma escola”.
Já Cezar Bittencourt, que também integra a defesa, afirmou que não há elementos concretos que sustentem a ação penal contra Cid. Ele destacou que não existem mensagens em que ele propusesse ou incentivasse atentados contra a democracia. “O que há é o recebimento passivo de mensagens no seu WhatsApp”, alegou.
Já o advogado Paulo Cintra, que defende Alexandre Ramagem, garantiu que seu cliente não integrava mais o governo federal no período em que o Ministério Público aponta a atuação do suposto núcleo central da trama golpista. Também contestou o uso das anotações feitas por Ramagem como prova. Segundo Cintra, os arquivos localizados pela Polícia Federal, que reuniam críticas ao sistema eleitoral, seriam apenas registros pessoais, comparáveis a um “diário” do réu. A defesa acrescentou que “não há elementos nos autos” que indiquem que os documentos tenham sido repassados a Bolsonaro e negou, ainda, que Alexandre Ramagem tenha utilizado a chamada “Abin paralela” para monitorar autoridades.
Ao fim da explanação, a ministra Cármen Lúcia perguntou se o advogado sabia a diferença entre voto auditável e voto impresso. A ministra manifestou incômodo depois que Cintra mencionou supostas dúvidas do cliente sobre a lisura do sistema eleitoral. “O processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável”, se limitou a dizer.
Depois, foi a vez do advogado Demóstenes Torres falar em defesa do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. De cara, pediu a rescisão da delação de Mauro Cid sob a justificativa de “individualização” das responsabilidades, o que na visão dele deixaria claro o que cada réu fez.
Por fim, os advogados de Anderson Torres refutaram o envolvimento do ex-ministro da Justiça na tentativa de golpe ao declarar que a minuta encontrada na casa dele já estaria disponível na internet antes mesmo da operação policial.