Orlando Pontes e Tácido Rodrigues
A secretária da Mulher, Giselle Ferreira, avalia, nesta entrevista ao Brasília Capital, que a educação é a chave para interromper a cultura de violência contra as mulheres. “Trabalhar a prevenção para mudar uma sociedade não é fácil, não é do dia para a noite. Mas, como professora de formação, digo sem medo de errar: a mudança da sociedade está na escola”, afirma.
No Agosto Lilás, mês marcado por mobilizações em escolas, órgãos públicos e meios de comunicação, ela reforça que o DF dispõe de 31 equipamentos públicos preparados para acolher e ajudar as vítimas. “Denuncie. A denúncia salva vidas. No DF, se o agressor descumprir a medida protetiva, ele é preso”, garante.
Quais ações a Secretaria da Mulher desenvolveu no DF durante o Agosto Lilás? – Desde 2019 que o governador Ibaneis refundou a Secretaria da Mulher e eu estou no cargo desde 2023. Sou professora de formação e entendo que a informação é fundamental. Os meios de comunicação são importantíssimos para ajudar na divulgação das campanhas de conscientização. A parte ruim tem que ser falada? Tem. Mas, às vezes, a informação boa, aquilo que a mulher pode buscar ajuda, precisa chegar. O Agosto Lilás é o mês em que o tema ganha destaque, mas que a proteção à mulher tem que ocorrer de janeiro a janeiro. Aqui, trabalhamos com muita seriedade. Somos a Lei Maria da Penha na prática. Temos equipamentos públicos no DF para fazer cumprir a lei. Neste mês, a nossa equipe intensifica o cuidado. Bate na porta das casas. Porque se não levarmos a informação até a mulher, ela não vai atrás disso.
Em 2019, o governador Ibaneis declarou que o feminicídio não deveria ter divulgação na imprensa, como ocorre com o suicídio. A senhora concorda? – A gente tem feito muitas discussões na tentativa de mudar a abordagem junto à imprensa. Concordo que o fato tem que ser divulgado, mas questiono a forma como isso é feito. O secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, sempre fala que acontece um crime de feminicídio com faca, logo depois tem outro crime da mesma forma. Muita gente se esquece de que ali tem um órfão, tem uma família por trás. Há casos em que as pessoas próximas são obrigadas a mudar de local porque têm a privacidade invadida com aquele crime. Por exemplo: a imprensa divulgou massivamente uma tentativa de feminicídio em Natal, dentro de um elevador, em que o agressor deu mais de 60 socos na vítima. Depois, tivemos um caso semelhante no Guará, com o mesmo modus operandi. O papel da imprensa é fundamental em relatar à sociedade o que acontece, mas temos que rever se isso não está revitimizando famílias inteiras.
Como a Secretaria da Mulher atua, em parceria com outras pastas, para prevenir e reprimir ataques contra as mulheres? – A repressão acontece. No DF não tem impunidade. O covarde que cometeu um feminicídio e não suicidou-se, ou está preso ou está morto. Somos a primeira unidade da Federação em que houve o aumento da penalidade de 30 anos para 40 anos de reclusão. Estamos bem amparados com o trabalho fantástico da Secretaria de Segurança Pública. Paralelo a isso, nossa missão aqui na Secretaria da Mulher é a prevenção. Nossa prioridade é levar informação e conhecimento às mulheres e manter esta escuta ativa. Isso nos ajuda a saber quais são os tipos de violência, que não é só de agressão física. Temos violência patrimonial, psicológica, sexual. Outro ponto importantíssimo é incluir a família e toda a sociedade nesta pauta. Não tem como falar de proteção à mulher se não falar com homens. Outro aspecto é garantir a autonomia econômica das mulheres vítimas de violência. Isso é fundamental porque as mulheres pensam muito antes de sair de casa. Muitas, mesmo em ambiente violento, se questionam quem vai pagar o aluguel, quem vai garantir comida, escola para os filhos, o que geralmente está atrelado à figura masculina. É por isso que temos investido muito em cursos de capacitação para as mulheres. Aquelas que estão em risco iminente também contam com o Aluguel Social, no valor de R$ 600.
A educação é uma forma de combater a cultura de violência? – Com certeza. Trabalhar a prevenção para mudar uma sociedade não é fácil, não é do dia para a noite. Mas, como professora de formação, digo sem medo de errar: a mudança da sociedade está na escola. Quando a informação chega na escola, o(a) filho(a) vai chegar em casa e dizer: “Pai, isso é uma violência”; ou: “Mãe, não aceita”. Prevenir também se faz melhorando e mantendo os equipamentos públicos, que ampliamos de 14 para 31 no DF. É preciso garantir atendimento mais perto de casa possível.
Todas as vítimas de feminicídio no DF, em 2025, eram mães. Os órfãos recebem algum tipo de assistência por parte do GDF? – Sim. Nós temos no DF o Painel do Feminicídio, uma câmara técnica da Secretaria de Segurança que controla todos os casos de feminicídios e faz um perfil dos autores, das vítimas, até o horário mais comum dos crimes. Quando eu cheguei aqui na Secretaria, me chamou a atenção que tinha uma relação de 287 órfãos ao fim de 2022. Descobri que não existia uma política pública específica para eles. É uma pauta que será deixada como legado, mas que, ao mesmo tempo, eu não gostaria que existisse. Diante desse contexto, criamos o Acolher Eles e Elas, programa que dá um salário mínimo por criança até completar 18 anos — comprovando a vulnerabilidade, até os 21. Além do recurso financeiro, necessário para a reconstrução das famílias, há um trabalho integrado que envolve o Conselho Tutelar, a Secretaria de Educação e demais órgãos.
Existe uma região do DF mais perigosa para a mulher? – Existe um acompanhamento que chamamos de mancha. O Sol Nascente, na Ceilândia, registra, desde 2015 ao menos um feminicídio por ano. Na área norte do DF, temos um olhar muito especial para Planaltina e Sobradinho. Só que, infelizmente, não é algo regionalizado. Costumamos dizer que o feminicídio é um crime democrático. Acontece do Parkway à Santa Luzia, na Estrutural. A maioria das vítimas é negra e em situação de vulnerabilidade social.
A maioria dos feminicídios e agressões ocorre dentro de casa e é cometido por parceiros ou ex-parceiros. O que a senhora diria para essas mulheres que passam por isso em um ambiente que deveria ser seguro? – Que não deem a segunda chance. Denunciem. A denúncia salva. Quem fala isso são os dados estatísticos. Todas as mulheres que foram acompanhadas aqui por meio do Viva Flor, aplicativo que acompanha o cumprimento da medida protetiva e garante essa rede de apoio, se salvaram. No DF, se o agressor descumprir a restrição, ele é preso. Estamos falando do que chamamos de violência estabelecida. Mas precisamos trabalhar para que não haja violência. Porque 70% das mulheres que foram vítimas de feminicídio em 2025 não tinham registro anterior e, em 63% dos casos, a família sabia. O entorno da vítima tem que se manifestar, denunciar, procurar ajuda. Nada é mais triste do que saber que a morte de uma mulher poderia ser evitada e não foi.
A Secretaria da Mulher tem orçamento capaz de atender todos esses programas? – Sim. Nos últimos cinco anos, houve um incremento de 750% no orçamento da nossa pasta. Passou de R$ 2 milhões para próximo dos R$80 milhões.
Há ações preventivas para crimes virtuais? – Sim. A Secretaria da Mulher praticamente dobrou de tamanho. Agora temos algumas áreas que eram invisibilizadas, entre elas uma subsecretaria de Inovação e de Informação Tecnológica justamente para estar atento a essa onda de crimes virtuais, como o cyberbullying. Criamos uma campanha agora que chama #DesafioNãoÉBrincadeira. Temos levado essas campanhas para dentro das escolas porque muitos abusos ocorrem com crianças e adolescentes. É ali que começa a violência. Em parceria com a Secretaria de Educação e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a gente faz o projeto “Maria da Penha Vai à Escola”, em que abordamos temas como direitos humanos, desigualdade de gênero e a importância do respeito, com linguagem adequada para cada faixa etária. Temos o “Educar para Proteger”, que busca capacitar educadores e alunos para identificar sinais de violência, promover um ambiente escolar mais seguro e fortalecer a rede de proteção a crianças e adolescentes na rede pública do DF.
Ter uma mulher como vice-governadora contribui para que o GDF passasse a ter uma atenção maior para esse tema? – É importantíssimo ter uma mulher tão representativa como a Celina Leão na vice-governadoria. Mas nada melhor do que homens e mulheres juntos. Digo isso porque o governador Ibaneis é um amigo da pauta da mulher. Tudo que a gente leva para ele, sai do papel. Neste governo, verdadeiramente, as mulheres têm voz ativa.
Como é a sua parceria com a vice-governadora? – Fui chefe de gabinete dela por muitos anos. Fiz três mandatos junto com ela. Sonhamos juntas desde a época da Secretaria da Juventude, com o [ex-governador Joaquim] Roriz. Me lembro que, quando ela era presidente da Câmara Legislativa, não tinha sala para amamentação. Hoje já é uma política pública que ela implementou. Toda vez que ela está como governadora em exercício, fazemos algumas ações específicas para que cada vez mais as nossas mulheres sejam respeitadas e reconhecidas.
A Câmara Legislativa tem colaborado com a Secretaria da Mulher? – Muito. O presidente Wellington Luiz (MDB) é um apoiador da campanha “Mulher não se cale”, que leva informação nas rodoviárias, nas estações de metrô. Os outros parlamentares também nos ajudam porque a pauta da mulher não tem que ter partido e precisa ser defendida por todos. Os deputados têm criado leis importantes. O nosso compromisso é também regulamentar essas normas, porque ganhar uma eleição, aprovar uma lei e ela não ser regulamentada frustra muito. Tiramos do papel a lei do feminicídio, o Aluguel Social. A determinação da dupla Ibaneis-Celina é institucionalizar as políticas públicas para que elas permaneçam. Gestões passam, mas os serviços aos cidadãos ficam.
Onde e como as mulheres podem acessar os serviços disponíveis no DF? – A Secretaria da Mulher tem 31 equipamentos públicos espalhados pelo DF. Qualquer um pode acessar nossas redes (@secmulherdf) para ter acesso à lista completa de tudo, com endereço e horário de funcionamento. A gente está em Ceilândia, Sol Nascente, Recanto das Emas, Santa Maria, Planaltina, Sobradinho, Brazlândia. Temos o Espaço Acolher. O Estado está preparado para receber a todos. Os canais de denúncia são o 180, a Central de Atendimento à Mulher, o 197, da Polícia Civil, e o 190, da PM.