Orlando Pontes
Neste primeiro verso do poema “No caminho, com Maiakóvski”, de 1968, o poeta Eduardo Alves Costa alertava para a necessidade de a população reagir à truculência das medidas de intolerância e repressão da ditadura instalada no Brasil pelo golpe militar de 1964. Guardadas as devidas proporções, a população de Águas Claras deve ficar atenta para que não se repita na cidade os malefícios de se calar diante de absurdos que começam exatamente com atos aparentemente banais e que escalam até se transformar em contínua opressão.
No dia 6 de junho, o administrador regional Gilvando Galdino, recém-empossado no cargo, baixou uma espécie de Ato Institucional, com verdadeiro “toque de recolher” na cidade. Supostamente baseado na Lei do Silêncio, ele proíbe o funcionamento das quadras esportivas nas praças de Águas Claras das 22h às 7h da manhã. Ou seja, durante nove horas, ou mais de 1/3 do dia.
O incrível é que Galdino, morador de Vicente Pires, indicado para a função pelo deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP), também morador de Vicente Pires, criou a norma a partir da sensibilidade de seus próprios ouvidos. “Fui a um apartamento vizinho a uma praça onde tem um espaço para skatistas e uma quadra de esportes. De fato, o barulho é muito forte”, diz ele.
Questionado se teria feito algum estudo técnico, baseado na emissão de decibéis pelos usuários dos espaços públicos e na recepção pelos moradores próximos, ele responde que isto seria atribuição do Ibram [Instituto Brasília Ambiental]. E que não fez tal solicitação.
“Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada”.
Galdino informa, ainda, que atendeu a uma cobrança de parte da comunidade de Águas Claras, representada pela Associação de Moradores (Amaac). O presidente da entidade, Roman Cuattrin, confirma. “Somos favoráveis a um regramento para utilização das praças”, diz ele, ressaltando que “as pessoas querem sossego”.
“Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”.
Galdino administrou Vicente Pires até o dia 7 de abril – também por indicação de seu padrinho político Pastor Daniel –, data em que foi “transferido” para Águas Claras. E um mês depois de assumir o posto, já impõe a segunda medida, no mínimo polêmica. A Amaac, apoiadora da primeira medida, agora já considera a outra arbitrária.
É importante lembrar que Galdino foi administrador de Taguatinga de 2009 a 2010, período, em começou a grande derrocada de espaços públicos como a Praça do DI, exatamente a partir da evocação da tal Lei do Silêncio. Culminou com a demolição skate park, onde a garotada brincava, por determinação de Antônio Sabino, um de seus sucessores.
Hoje, ninguém consegue andar pelo DI. À noite, a praça é quase uma cracolândia. E as ruas de Taguatinga tornaram-se desertas nesse período. Os habitantes se trancam em suas casas atrás de portões altos e grades nas janelas. Andar nas ruas é um perigo.
Ao contrário do que se vê em Águas Claras, onde as pessoas se sentem seguras de ir a pé ao bar, à farmácia ou ao quiosque a qualquer hora. E isto é possível porque as calçadas têm pedestres e as quadras e praças são ocupadas food trucs frequentados pelos moradores.
Os jovens que curtem praticar esportes no período noturno, trabalhadores e estudantes que voltam para casa mais tarde se permitem, por exemplo, sair para passear com seus pets.
Portanto, antes que Águas Claras se torne uma nova Taguatinga, seria importante que o Ministério Público questionasse a as decisões de Galdino. E que a população se mobilize para convocar audiências públicas para discutir o regramento do uso dos espaços públicos da cidade, como sugere o presidente da Amaac.
Antes que nos arranquem a voz da garganta!