Ana Clara Mendonça, Fabio Goes e Tácido Rodrigues
Quarenta e três dias após baixar uma norma proibindo o uso de quadras esportivas e outros espaços públicos das 22h às 7h, o administrador de Águas Claras, Gilvando Galdino, voltou a causar indignação na comunidade. Na quarta-feira (23), ele publicou, no Diário Oficial do DF, a ordem de serviço nº 38/2025 que trata “da reorganização das autorizações para o exercício do comércio ambulante na região e revoga todas as licenças, alvarás e autorizações anteriormente emitidas para essa finalidade, com ou sem ponto fixo”.
O presidente da Associação de Moradores e Amigos de Águas Claras (Amaac), Román Cuattrin, considera a medida como “dura e arbitrária”. “Quando fui confrontar o administrador, ele me encaminhou uma carta do Sindhobar [Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília], assinada pelo presidente Jael Antônio da Silva, que pede pela retenção dos ambulantes e afirma que esse mercado afeta o comércio formal da cidade”, afirma.
Román Cuattrin: “Os ambulantes já fazem parte da nossa cultura” – Foto: Reprodução/Facebook
De acordo com o líder comunitário, os ambulantes, em especial os food trucks, “já fazem parte da nossa cultura e movimentam o turismo da cidade”. Ele conta que “pessoas de outras regiões vêm aqui só para comer nesses comércios. Às vezes, quem tem dinheiro para comer em uma barraquinha, pode não conseguir comer em um restaurante. Mas, às vezes, é só uma questão de preferência mesmo”.
Cuattrin acrescenta que a Amaac é a favor da fiscalização e do controle de qualidade. Porém, entende que a medida atrapalha a renda de trabalhadores que precisam sobreviver com essas atividades e afeta o cotidiano dos moradores. “Nós da Associação sempre pedimos por fiscalização, mas não propomos a retirada dos ambulantes das ruas”.
Em nome do “ordenamento territorial”
A Administração de Águas Claras justificou, em nota enviada ao Brasília Capital, que a medida “segue as diretrizes do Decreto nº 39.769/2019, que regulamenta a utilização de áreas públicas no DF, e tem como objetivo preservar a mobilidade urbana, a acessibilidade, o ordenamento territorial e a segurança da população”. “Encontramos situações em que a natureza da licença não era respeitada. Isso gerava conflitos com pedestres, motoristas e o comércio estabelecido”, informou o órgão.
O administrador regional confirma que a revogação das autorizações atende ao Sindhobar. Na carta enviada a Galdino, a entidade alega que o comércio formal sofre “prejuízos provocados pela concorrência desleal dos ambulantes”. “Nosso compromisso é garantir o desenvolvimento ordenado da cidade, respeitar o espaço público e oferecer soluções que promovam dignidade e oportunidade de trabalho para todos”, menciona a nota da Administração.
Revolta de moradores e trabalhadores
O Brasília Capital foi às ruas ouvir frequentadores e trabalhadores do comércio ambulante de Águas Claras sobre a decisão do administrador regional, Gilvando Galdino, de proibir os ambulantes e food trucs na cidade, inclusive revogando as licenças daqueles que têm autorização para trabalhar. Confira.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS — O consultor Emanuel Henrique, 37 anos, mora próximo da estação Arniqueiras, onde há boa concentração de trailers e food trucks. Ele rebate o argumento de que os informais atrapalham as vendas dos demais comerciantes. “É como se tivesse alguém cometendo um crime e a polícia chegasse e prendesse todo mundo que estivesse por perto. A regularização é importante, mas não é razoável punir todo mundo, principalmente aqueles que já têm a sua licença”.
Emanuel Henrique, 37, consultor – Foto: Antônio Sabino/BsbCapital
Ele critica, também, o que considera “dois pesos, duas medidas”. “Se você andar pela cidade, vai ver as grandes construtoras isolando todos os estacionamentos. A pergunta é: existe licença para isso? Por que as construtoras podem e os ambulantes, não?”.
VALORIZAÇÃO – O corretor de imóveis Diego Barbosa, 35 anos, atua em Águas Claras desde 2016 e discorda da alegação do administrador Gilvando Galdino de que a presença “desordenada” dos ambulantes leva à “desvalorização” do patrimônio de quem vive na cidade. “Na verdade, acho que até valoriza. Por exemplo: a pessoa está procurando um ambiente bem localizado, que tenha lanche, que venda utensílios, alguma coisa que agregue à região, que a pessoa não precise ir tão longe comprar”.
IMPOTÊNCIA — Para a vendedora de churros Marta de Oliveira, 30 anos, o medo da fiscalização e de perder os produtos que ela mesma faz gera uma sensação de impotência. “Eu fico frustrada, desolada. É como se eu fosse uma bandida. É uma situação muito chata a gente não poder trabalhar. A autorização que eles [administração] querem dar pra gente é num local onde não passa ninguém. Não vale a pena”.
Marta de Oliveira, 30, ambulante – Foto: Antônio Sabino/BsbCapital
Marta, que acorda todos os dias às 6h e conta com a ajuda do marido para comercializar os doces, revela que muitos “pagam o pato” por conta do desacerto de poucos. “A guerra da administração com a gente ocorre porque tem quem pega autorização de ambulante e coloca food truck. É mais esses casos que estão respingando nos menores”.
PRECONCEITO — Gildásio Alves, 53 anos, conhecido como Seu Zé, morador de Ceilândia, vende frutas e legumes na Avenida Jequitibá. “Perdi o sono, fiquei depressivo quando soube da proibição. Não sou contra a fiscalização. Mas não dá pra tirar a gente daqui sem avisar”, reclama ele, que se sente discriminado por Gilvando Galdino. “Ele veio aqui e perguntou onde eu morava. Depois, disse que Águas Claras é uma cidade sofisticada, só para pessoas de alto padrão. Fiquei muito triste, ele não deveria desprezar a gente dessa maneira”.
Gildásio Alves, 53, ambulante – Foto: Ana Clara Mendonça/BsbCapital
BANDIDAGEM – Vanda PioBelo Coelho, 70 anos, vizinha da feira em frente à praça da Estação Águas Claras, é radicalmente contra a decisão de Galdino. “Ele deveria se preocupar em cuidar das praças. Está tudo abandonado, com lixo, banco quebrado, precisando de poda nas árvores. O pessoal que vende as coisas aqui por perto me ajuda demais, não tenho condições de ir ao mercado. Eles estão estando nas redondezas quando desço com meu cachorrinho, me dá uma sensação de segurança. Talvez o administrador queira mesmo que os espaços públicos sejam entregues à bandidagem”.
Vanda PioBello, 70, aposentada – Foto: Antônio Sabino/BsbCapital