Orlando Pontes e Tácido Rodrigues
O Brasília Capital reuniu, na segunda-feira (30), o administrador de Águas Claras, Gilvando Galdino, o estudante e skatista Luiz Fernando Monteiro, de 15 anos, e o músico Pedro das Sortes, de 36 anos, para debater a norma que proíbe o uso de quadras de esportes e pistas de skate da cidade das 22h às 7h.
Galdino respondeu a questionamentos da equipe do jornal, dos convidados e de leitores, via redes sociais, e afirmou que pode rever a norma. “Vamos fazer audiências para encontrar um denominador comum entre os praticantes de esporte e os moradores. Podemos rever algumas decisões, se for o caso”.
Ele também se compromete a acionar o Ibram (Instituto Brasília Ambiental) para que um estudo técnico avalie se o limite de decibéis, previsto na Lei do Silêncio, está sendo respeitado e reforça que “não existe fechamento de espaços públicos”. “Não tem nada no sentido de desmerecer ou desconsiderar qualquer atividade esportiva ou cultural. Com a praça ocupada, o crime se afasta”.
O sr. escutou a comunidade antes de tomar esta decisão? – A primeira coisa que fiz foi andar na cidade e participar de algumas reuniões, inclusive envolvendo o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) e a Associação de Moradores. Fui mais para ouvir do que falar. Assumi um compromisso de diálogo com eles. Só que eu peguei uma situação que já vinha sendo preparada pela administração anterior. Automaticamente, na troca [de comando] que foi feita, estava tudo pronto. Os representantes da comunidade me pediram para que fosse tomada uma providência com relação à ordem pública. A norma, portanto, não tem nada no sentido de desmerecer ou desconsiderar qualquer atividade esportiva ou cultural.
Houve um estudo ou medição que comprove que certas atividades extrapolam o ruído permitido pela Lei do Silêncio? – Não foi feito esse trabalho de medir os decibéis. Mas visitei os locais onde os moradores, síndicos e comerciantes locais fizeram reclamações. Tem idosos, mulheres com recém-nascidos, pessoas com problemas de saúde, gente que trabalha e levanta 4h, 5h da manhã para poder ganhar o pão de cada dia. Esses grupos manifestaram que estavam tendo dificuldades para dormir devido às atividades permanentes das quadras de esporte depois das 22 horas.
Como ficam as pessoas que vivem da cultura e dependem do trabalho noturno para sobreviver? – Em Águas Claras, não foi feito um projeto arquitetônico prevendo esse tipo de relação. A proximidade do comércio com as moradias é questão de metros. Assim, com qualquer uso de som por parte de músicos, termina chegando em outros lugares. Vejo, neste caso, que a solução seria encontrar um lugar dentro de Águas Claras um pouco mais distante das moradias, que possuísse um isolamento acústico para que os músicos exercessem a profissão com toda dignidade.
Os skatistas reclamam que não foram ouvidos e que a infraestrutura das pistas está precária. O que o sr. tem a dizer? – Águas Claras tem 37 praças. Realmente, nem o governo federal e nem o governo local possuem recursos próprios para fazer essa manutenção permanente. Por isso, foi criada a parceria público-privada (PPP) por meio do projeto Adote uma Praça. Eu estou administrador de Águas Claras há pouco mais de 60 dias e, desde que assumi, trabalho para resolver essa pendência da estrutura dos equipamentos públicos. É um problema que vem de 10, 20 anos. Agora mesmo, vamos reformar três praças. Vamos construir novos espaços. Com relação aos skatistas, eu acredito que precisam realmente ser ouvidos. Conversei com o secretário de Esportes, Renato Junqueira. Estamos vendo a possibilidade de um local para que as pessoas possam praticar esportes após as 22 horas. Como eu disse, é preciso compreender que essas quadras estão muito próximas das moradias, e que quando deu o horário estabelecido pela Lei do Silêncio, pare. A pessoa que está nos prédios precisa descansar. Hoje, os jovens têm uma qualidade de vida, mas quando ficarem mais velhos ela vai mudar. A cidade tem que estar preparada para acolher todas as pessoas, sem distinção.
A norma restringe o horário das quadras durante a madrugada, quando garçons, frentistas, motoristas de aplicativo e outros trabalhadores teriam tempo para usá-las. A ideia é beneficiar só quem quer dormir? – Tudo é questão de qualidade de vida. Os idosos, que trabalharam a vida inteira e pagam seus impostos, têm problemas de saúde. Chegou aquele horário, ele tem que tomar o remédio e descansar. O Estado tem que encontrar uma forma para que essas pessoas sejam protegidas e, ao mesmo tempo, dar a solução para que trabalhadores e estudantes, por exemplo, tenham um lugar próprio para jogar bola ou atividade cultural depois das 10 da noite.
Uma quadra de esporte ou uma pista de skate não é um lugar adequado para isso? – Não. Ela tem uma característica própria para atividade esportiva e ocupação. Para a ocupação popular, não existe proibição. Qualquer pessoa pode frequentar os pontos. Mas qualquer atividade que venha a incomodar o direito das outras pessoas cria o risco de termos um atrito de morador com os skatistas ou com os músicos. E isso já aconteceu em Águas Claras. A polícia chega e vai tentar recuperar essa ordem, uma vez que o emocional dessas pessoas já ficou totalmente comprometido. Nós tivemos, há pouco tempo, uma festa junina que ultrapassou as 2h da madrugada e um morador desceu armado. Se não tomarmos uma atitude para proteger a sociedade como um todo de confrontos dessa natureza, daqui a pouco a imprensa vai me perguntar porque não foi tomada alguma providência para que isso fosse evitado.
A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 2024 mostra que a população de Águas Claras tem média de idade de 35,9 anos. Vale a pena sacrificar os mais jovens para beneficiar quem quer dormir? – O meu direito vai até onde o direito do outro está sendo ferido. Se uma pessoa entendeu que a sua qualidade de vida está sendo comprometida, ela precisa ser ouvida. Os idosos podem ser minoria, mas precisam ser respeitados. Repito: estamos trabalhando para instalar uma estrutura esportiva no Parque Central, que tem uma distância maior das moradias e onde vai ser instalado o centro gastronômico. Haverá atividades culturais e atividades esportivas, inclusive para além das 22h, visto que há um distanciamento maior das residências. Se a gente conseguir esse objetivo, esses locais terão uma outra ordem de serviço para o seu funcionamento, porque não causarão tanto transtorno para as pessoas. Quem cometeu o erro não foi esse governo, foi quem, lá atrás, montou uma estrutura de esporte tão próxima às moradias. As pessoas precisam entender que determinadas atividades têm que estar encaixadas dentro daquilo que as torna legais. No caso dos músicos, se você estiver trabalhando em um bar ou um restaurante com isolamento acústico, nada impede de se exercer a atividade cultural, ganhar o pão de cada dia. Só que hoje os restaurantes e os bares de Águas Claras não estão dentro dessa característica. Os moradores não são os vilões, e, sim, a estrutura da forma que foi feita.
Tendo em vista que a norma da Administração tem como referência a Lei do Silêncio, o sr. não pretende fazer uma avaliação técnica do ruído e audiência pública para ouvir a comunidade? – Quero me comprometer que nós vamos fazer audiência pública em duas praças. Nelas, já houve casos em que moradores e praticantes de esporte quase chegaram às vias de fato. Vamos fazer nessas duas e, conforme a necessidade, vamos para as outras. Por enquanto, nosso entendimento é deixar a norma da forma que está para evitar um problema maior. As audiências servem justamente para ajudar a encontrar um denominador comum que possa relacionar o bem-estar do praticante de esporte e dos moradores. Dependendo da repercussão que tiver, podemos rever algumas decisões.
Taguatinga viveu uma experiência ruim quando decidiram demolir a pista de skate da Praça do DI, que hoje virou quase uma cracolândia. Águas Claras não corre esse risco com a não ocupação de espaços públicos à noite? – A realidade do tráfico de drogas é diferente nos dias de hoje. Taguatinga sofreu com o envelhecimento e com a falta de cuidado do Estado. Quando eu fui administrador de Taguatinga, com a inauguração da fonte, a ideia era criar a feira do artesanato, colocar iluminação melhor, posto policial na Praça do Relógio. O comandante do Batalhão de Polícia à época me procurou e disse que eu estava correndo risco de vida. Isso porque, quando eu comecei a retomar a Praça do Relógio, o crime organizado, em 2009, já estava preocupado com o trabalho que eu estava fazendo. Com a praça ocupada, o crime se afasta. Temos que encontrar uma forma disso acontecer. Não é o skate ou outra atividade esportiva que vai devolver essa qualidade de vida para a praça. É toda uma ação do Estado. São políticas públicas que podem fazer com que essas praças voltem a ser ocupadas. Com a ajuda da segurança pública, precisamos retomar esse controle.
Um dos trechos da norma prevê que os pets não podem correr ou brincar dentro das quadras de esporte. Isso não limita ainda mais a ocupação desses espaços públicos? – Não. Lá tem as áreas próprias para que o animal possa usufruir do direito de ir e vir. A partir do momento que você coloca um animal dentro de uma área construída para a ocupação humana, o comportamento não é o mesmo. Ela se torna insalubre. Estive numa pista de skate em que um senhor entrou com um cachorro, que logo fez as necessidades. Depois, veio um pai com uma criança para andar de skate, o menino caiu e rolou por cima da urina. Isso coloca em risco a vida de uma criança. Se trata, portanto, de uma questão de saúde pública. Por isso que existe o ParCão para os animais.
Rodrigo Pires, leitor do Brasília Capital, pergunta se não é incoerente fechar as praças com o pedido dos próprios condôminos, sendo que as construtoras vendem os apartamentos mais caros por estarem perto das praças ou de equipamentos públicos. – Deixando claro mais uma vez: não existe fechamento de praça. A praça pode ser ocupada de várias formas. Ninguém pode impedir que a praça seja ocupada. Mas, determinados comportamentos, como chegar com o carro, ligar o som muito alto, o impacto da queda do skate, ou uma pessoa que não consegue jogar futebol calado, pode incomodar. Dependendo da situação, isso é tão insalubre que uma pessoa que perde o sono às duas, três horas da manhã, não recupera nunca mais. Isso é cientificamente comprovado.
Então o sr. se compromete a acionar o Ibram para que se prove oficialmente que os limites da Lei do Silêncio estão sendo violados? – Sim. Vamos disparar um documento e vou solicitar ao Ibram para que faça esse trabalho.
É possível fazer isso também com bares e restaurantes? – Já é feito. Os próprios moradores me mandam vídeos onde mostram os decibéis que chegam dentro do apartamento. Tem aparelhos hoje que já são vendidos e fazem medições. Inclusive, seria interessante medir o ruído com a janela fechada e a janela aberta. É um apontamento que podemos fazer.
Por quais canais a comunidade pode discutir esses temas com o senhor? – Os empresários e síndicos podem procurar a Administração e saber mais, por exemplo, como funciona o programa Adote uma Praça. Existe o sistema ADM24h, que você se comunica direto com o serviço público na página do GDF, tudo on-line. Outro canal é ligar para o 162 e fazer as suas reclamações. O cidadão pode, ainda, ir pessoalmente à Regional, onde será anotada a solicitação, gerado um protocolo e conduzido à Ouvidoria do GDF.