Chico Sant’Anna (*)

Antes que me julguem, já adianto: sou carioca da gema, nascido em Botafogo, quando o Rio de Janeiro ainda era Distrito Federal. Minha certidão de nascimento registrava Rio-DF, e minha primeira identidade marcou Rio-GB, em alusão à Guanabara, hoje Rio de Janeiro-RJ.
Feitas as apresentações, quero dizer que o pleito do prefeito Eduardo Paes, de decreto presidencial declarando a Cidade Maravilhosa Capital Honorária do Brasil, além de ser um factoide sem sentido, traz sérios riscos à verdadeira capital do Brasil: Brasília.
Não se trata apenas de uma denominação carinhosa, para homenagear os 197 anos em que a cidade foi a sede de governo do Brasil República, do Império e do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Se assim o fosse, poderia apostar num factoide maior e pleitear à União Europeia, que o Rio passe a ser município membro integrante do bloco europeu, já que foi capital de Portugal. (Salvador foi capital por 214 anos e nem por isso clama por um tratamento diferenciado).
Por de trás do título de Capital Honorária, o Rio esconde a verdadeira demanda que, se acatada pelo Palácio do Planalto, representará danos reais a Brasília – um risco nesses tempos em que os vizinhos Ibaneis e Lula andam se bicando.
A ardilosa proposta do alcaide busca reverter, paulatinamente, a condição plena de Capital, nos termos constitucionais. Sugere que órgão público algum, ainda sediado no Rio, venha a ser transferido para Brasília.
Segundo publicação dele no X, o antigo DF ainda abriga cerca de 300 autarquias, fundações e órgãos federais, “responsáveis por altos índices empregatícios —, mais de 500 empresas públicas e sociedades de economia mista, como a Petrobras, e é sede da Marinha”.
Dados da União revelam que 22% dos servidores públicos federais estão no Rio e apenas 11% em Brasília. A VelhaCap ainda abriga 170 mil servidores aposentados ou pensionistas, números que demonstram que a criação de Brasília não foi tão prejudicial.
Muitos desses empregos citados pelo prefeito são permanentes, se referem às estruturas dos Ministérios da Educação e da Saúde, já que lá estão instaladas quatro universidades e seis hospitais federais, além de instituições como Instituto Nacional do Câncer e a Fiocruz.
As sedes das maiores empresas do País – Petrobrás, Vale do Rio Doce, Eletrobrás e BNDES – permanecem no Rio. Estruturas estratégicas, como a Casa da Moeda, o IBGE e o Instituto Nacional de Metrologia continuam por lá.
No governo de Fernando Henrique Cardoso, quando da criação das agências reguladoras, Brasília já foi garfada com a fixação da sede de muitas delas, como a ANP e a Anac, em terras cariocas.
Mas o prefeito quer mais: clama pelo retorno da Embratur e a recriação do gabinete carioca da Presidência da República. Mais grave é seu desejo de que os futuros concursos públicos federais ofereçam a possibilidade de o aprovado exercer o cargo no Rio e não em Brasília.
O decreto reivindicado por Paes não tem nada de “simbólico”, como o classificou. Ele almeja compensações financeiras – uma espécie de Fundo Constitucional da Velha Capital – e traz uma armadilha progressiva para a condição de Brasília.
Paes grafou nas redes sociais que Brasília é considerada “fator determinante” da decadência econômica do Rio. Entre os motivos, “a falta de compensação pela perda dos fundos constitucionais que custeavam os serviços básicos da cidade”.
Em 1960, Sá Freire Alvim, antecessor de Paes, declarou à Revista Cruzeiro, que o Rio seguiria sua “marcha de progresso e desenvolvimento, liberta das pesadas atribuições de Capital da República, dedicando-se, a partir de então, à indústria e ao comércio”.
Quando Brasília nasceu, o Rio era mais que capital federal. Era capital do carnaval, do turismo, da cultura. Ali estava a principal base da indústria naval e um dos portos mais importantes do País. Ao lado de São Paulo, era uma liderança econômico industrial sólida e competitiva.
Ao logo desses 64 anos, não seguiu as recomendações de Sá Freire Alvim. Perdeu tudo isso. E não para Brasília. O Aeroporto Internacional de São Paulo é hoje o principal portão de entrada de estrangeiros no Brasil. O Galeão caiu para segundo lugar.
O título de cidade da folia tem que ser repartido com Recife, Salvador e até São Paulo. Florianópolis rivaliza nas praias e São Paulo se consolidou como locomotiva econômica. Até no futebol, desde 1960 os paulistas foram campeões brasileiros 31 vezes contra 17 títulos de times do Rio.
O real fator determinante da decadência econômica do Rio tem sido a insegurança pública que lá se consolidou. A cidade berço do Jogo de Bicho viu a charmosa contravenção dar vez ao Esquadrão da Morte, aos operadores de caça-níqueis. Virou base do Comando Vermelho e Capital das Milícias.
A violência e os índices de criminalidade ao longo de seis décadas afastaram investidores, desestimularam novos negócios e deixaram a cidade e o Estado do Rio em condições falimentares, mesmo tendo recebido bilhões em royalties do petróleo.
O capital fugiu da VelhaCap rumo a outras paragens e não vai ser desidratando Brasília que esse cenário irá mudar.
Chega de chororô!