Stéphanie Habrich (*)
Chegou o fim do ano e milhões de estudantes se preparam para concluir mais uma etapa em sua jornada formativa, ou para avançar para um novo ciclo escolar. Neste momento, uma questão sensível volta à ordem do dia e coincide com o aumento do tempo livre trazido pelo recesso escolar: o uso excessivo das telas, principalmente o celular, e seus possíveis efeitos no público infanto-juvenil.
Estou falando do “brain rot” (“cérebro apodrecido” ou “podridão cerebral”, literalmente), escolhido pelo dicionário da Universidade de Oxford, numa votação com quase 40 mil pessoas, como “palavra do ano” de 2024. E aqui que não se trata de um libelo “anticelular”, considerando o papel quase central que as redes sociais ganharam nas nossas vidas, não só como fonte de informação e lazer, mas até como auxiliar em tarefas pedagógicas.
O ponto é alertar para a necessidade de os responsáveis buscarem uma “dieta” mais equilibrada da exposição de seus filhos a muitas horas navegando nos feeds infinitos das redes sociais.
O termo “brain rot” e seu uso cresceu 230% neste ano, apesar de a primeira menção a ele datar de mais de um século atrás (1854), atribuída ao autor Henry David Thoreau, ao criticar a tendência da sociedade de desvalorizar ideias complexas, em favor das mais simples.
Para o Dicionário de Oxford, o fenômeno seria a “suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (principalmente conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador”.
Mas, afinal, se justificam as preocupações sobre o impacto do consumo excessivo de conteúdos virtuais de baixa qualidade? Especialistas dizem que sim. Apesar da falta de pesquisas aprofundadas que atestem uma deterioração do sistema nervoso ou das sinapses de quem se expõe a besteiras online, é evidente o impacto do uso abusivo das telas no cotidiano e nas relações pessoais.
A biologia explica: os algoritmos entregam a você conteúdos que geram bem-estar e demandam pouco esforço mental, em qualquer situação ou lugar, como alimentos ultraprocessados, de consumo imediato. O cérebro simplesmente segue sua “programação”, de aceitar aqueles “petiscos” e poupar energia para outras tarefas.
São diversas as consequências de naturalizar essa dinâmica. A começar pela diminuição da capacidade geral de lidar com conteúdo mais longo e complexo, sejam textos, filmes ou músicas. Tudo precisa ser curto, rápido e prazeroso, gerando uma mini descarga de dopamina, repetida “n” vezes.
O aumento generalizado da ansiedade entre os internautas “heavy users” é outra enfermidade social atribuída a esse quadro. E pode abrir a porta para outros transtornos mentais, como a depressão.
Por fim, mas não menos importante, o “brain rot” está ligado à formação de um pensamento superficial, pouco estruturado, à medida em que a pessoa busca atalhos e simplificações para tudo. Ela se torna mais suscetível a informações manipuladas, negacionismos e fake news, o que é danoso para toda a sociedade e reforça as chances de relações pessoais e institucionais mais violentas e intolerantes com a diversidade e a crítica.
Médicos e estudiosos sugerem um limite de permanência na vida virtual ou até mesmo um desintoxicação digital, para evitar sintomas como “neblina mental, letargia, redução da capacidade de atenção e declínio cognitivo”, ou mesmo o vício em redes sociais, uma realidade já diagnosticada no mundo todo, principalmente entre os nativos digitais (que nasceram após a popularização da internet).
Os próprios usuários têm consciência desse impacto, mas não de uma forma estruturada. As crianças, especialmente, têm uma postura mais passiva diante dos conteúdos, estão mais desprotegidas. O “cérebro podre” ameaça o desenvolvimento de todo o seu potencial intelectual e seu amadurecimento emocional.
Como crianças e jovens podem usar melhor seu tempo livre, nas férias (e no resto do ano)? A solução envolve oferecer alternativas off-line – lembrando que esse ciclo não está restrito apenas ao consumo de conteúdo online – e buscar usos mais responsáveis das telas, sob supervisão dos responsáveis.
Como estudiosa do comportamento do público infanto-juvenil, desejo que cada núcleo familiar encontre, dentro dos desafios comuns – como dedicação do tempo por parte dos pais ou responsáveis – um equilíbrio próprio que possa, sobretudo, estimular relações interpessoais fora das telas, seja por meio de atividades lúdicas que estimulem a criatividade; da leitura profunda e de boas conversas que tratem também dos ensinamentos de como cada criança pode começar a aprender a cuidar do seu próprio tempo e da qualidade de vida, com foco em saúde física e mental.
(*) Fundadora do Jornal Joca e Jornal Tino Econômico