“Tá lá o corpo estendido no chão/ Em vez de rosto, uma foto de um gol/ Em vez de reza, uma praga de alguém/ E um silêncio servindo de amém/ O bar mais perto depressa lotou/ Malandro junto com trabalhador/ Um bêbado subiu na mesa do bar/ E fez discurso pra vereador”.
Os versos de João Bosco, escritos na década de 1980, tornam-se atuais em pleno 2024, quando o chaveiro catarinense Francisco Wanderley Luz de 59 anos, tirou a própria vida, na quarta-feira (13) ao detonar explosivos presos ao próprio corpo.
Sua intenção, planejada durante meses e anunciada em postagens em redes sociais, era atentar contra os ministros do Supremo Tribunal Federal. O ato é uma espécie de segundo capítulo da frustrada tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro do ano passado.
Francisco Wanderley torna-se um exemplo do ponto a que pode chegar o fanatismo que move extremistas de direita seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2020, ele foi candidato a vereador em sua cidade natal, Rio do Sul (SC), e não se elegeu. Mas continuou sua militância, principalmente na Internet, pregando contra a democracia e as instituições nacionais.
Em passagem anterior por Brasília, Francisco havia alugado uma quitinete em Ceilândia, mesmo espaço onde estava alojado nos dias que antecederam a perpetração do atentado de quarta-feira. Ali, ele guardava bombas, como as que transportava no carro de sua propriedade, que explodiu no estacionamento do Anexo IV da Câmara dos Deputados 18 segundos antes da investida contra a Suprema Corte.
O desfecho da trajetória do fanático bolsonarista remete a uma composição de Chico Buarque de Holanda, outro gênio da MPB:
“Olha aí! (Ah, olha aí)/ Ai, o meu guri, olha aí!/ (Ah, olha aí meu guri)/ É o meu guri, e ele chega/ Chega estampado, manchete, retrato/ Com venda nos olhos, legenda e as iniciais/ Eu não entendo essa gente, seu moço/ Fazendo alvoroço demais/ O guri no mato, acho que tá rindo/ Acho que tá lindo de papo pro ar/ Desde o começo, eu não disse, seu moço/ Ele disse que chegava lá”.
Menos mal para o Brasil que, a exemplo do 8 de janeiro, o desfecho do 13 de novembro foi pior para o agente extremista do que para as instituições democráticas do País. Além de deixar a lição de que não se deve perdoar (no caso, anistiar) golpistas ou terroristas, por mais que eles estejam travestidos de velhinhos inocentes ou mesmo de cidadãos do bem.
Sinal de alerta
O crime acende o sinal de alerta em defesa da democracia brasileira. É necessário aumentar a atenção dos órgãos de inteligência no monitoramento da internet e repensar o esquema de segurança da Capital da República.
Conhecido como Tiu França, Francisco havia antecipado o ataque nas redes sociais, mencionando especificamente o STF e ameaçando a instalação de explosivos em locais estratégicos. Isto levanta a hipótese de que o atentado pudesse ter sido ainda mais devastador.
Durante as investigações, após o ataque, a Polícia Militar do DF e a Polícia Federal encontraram, na casa onde Francisco Walderley estava hospedado, em Ceilândia, artefatos explosivos semelhantes aos utilizados nas detonações na Praça dos Três Poderes, o que sugere que ele estava planejando novos ataques.
As autoridades também investigam a explosão do veículo do fanático, no Anexo IV da Câmara dos Deputados, carregado com fogos de artifício e tijolos. A descoberta do estoque de explosivos em Ceilândia direcionou as investigações para tentar entender as motivações de Francisco Wanderley, assim como possíveis conexões com grupos extremistas ou outros atentados planejados.
Ameaças nas redes
Candidato derrotado a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC) em 2020, ele havia divulgado, em publicações no Facebook, ameaças explícitas a figuras públicas e anunciava o início de um ataque com bombas contra o STF. Em uma das postagens, ele escreveu:
“Vamos jogar??? Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas de merda: William Bonner, José Sarney, Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso… Vocês 4 são VELHOS CEBÔSOS (sic) nojentos”.
A publicação estava acompanhada de uma ameaça: “Cuidado ao abrir gavetas, armário, estantes, depósito de matérias (sic) etc. Início 17h48 horas do dia 13/11/2024… O jogo acaba dia 16/11/2024. Boa sorte!!!”.
Celina: “Situação controlada”
A governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão, convocou uma coletiva de imprensa poucas horas após o atentado para garantir que a situação foi prontamente controlada pelas forças de segurança.
Ela fez, pessoalmente, uma inspeção no local do crime e informou que a área das explosões foi imediatamente isolada para proteger a população. “A segurança de Brasília continua sendo nossa prioridade. Estamos empenhados em esclarecer todos os detalhes deste atentado”, assegurou.
A perícia da PM indicou que Francisco morreu de forma intencional, possivelmente como parte de um ato suicida. Embora as razões do ataque ainda não estejam totalmente esclarecidas, a Polícia Federal, com apoio da Polícia Civil e da PMDF, segue à frente das investigações para entender as intenções do suspeito e identificar possíveis colaboradores.
Saiba+
Para coordenar as ações de segurança, o GDF criou um grupo de trabalho que está acompanhando o desenrolar da situação e reforçando a segurança na capital. Embora o caso tenha gerado grande apreensão, as autoridades garantem que estão mobilizadas para evitar novos atentados, enquanto a investigação busca descobrir mais sobre Francisco Wanderley Luiz, suas motivações e eventuais conexões com outros grupos extremistas.