Ricardo Nogueira Viana (*)
De 23 de julho a 11 de agosto, Paris sediará a 23ª Olimpíada da era moderna. Dessa vez, um ciclo mais curto, de 3 anos, pois o início da última edição dos jogos foi prorrogado devido à pandemia da Covid-19. Ao todo, 10.500 atletas em 32 esportes serão comparados nos 19 dias de competições.
Incluindo a esquadra brasileira, atletas de outras 206 representações, além de uma equipe de refugiados do Comitê Olímpico Internacional (COI), farão parte do megaevento. Rússia e Belarus vão participar. Contudo, sofrerão sanções por suas ações belicosas na guerra da Ucrânia.
As Olimpíadas surgiram por volta de 776 a.C., na cidade de Olímpia na Grécia antiga, local onde até hoje a tocha é acesa 100 dias antes do início do evento. Após alguns séculos de interrupção, os jogos voltaram a ocorrer em 1896, em Athenas, na Grécia, tendo como precursor o francês Barão de Coubertin.
Estaremos diante do maior evento esportivo do mundo. De acordo com o Estatuto Olímpico, a finalidade dos jogos é garantir o desenvolvimento harmonioso da Humanidade, promovendo a paz, a integração e a união entre os povos por meio do movimento humano.
Um evento olímpico não se perfaz apenas com a reprodução de movimentos, quebra de recordes e medalhas. Os países participantes têm que estar em equilíbrio com a ordem mundial vigente, sob pena de banimento, boicotes, ou da interrupção dos jogos, como aconteceu m 1916, 1940 e 1944, devido às duas guerras mundiais.
Em 1980 nas Olimpíadas de Moscou, em decorrência da guerra fria, os Estados Unidos e outros 64 países se negaram a competir. Quatro anos após, os socialistas, capitaneados pelos soviéticos e mais 14 Comitês Olímpicos, deixaram de ir à edição de Los Angeles (EUA).
Entre 1964 a 1976, a África do Sul foi retirada do evento em razão do regime do Apartheid, que segregava a população negra do país. Em 1968, no México, a Coreia do Norte foi banida após participar de uma competição independente, não reconhecida pelo COI.
A Rodésia, também por questões raciais, não foi convidada a participar dos jogos de Munique, em 1972. Na edição de Sydney 2000, o “cartão vermelho” foi para o Afeganistão, devido à discriminação contra as mulheres pelo regime Talibã. No Rio, em 2016, o “gancho” foi para o Kwait, por interferir na autonomia dos órgãos desportivos do país.
Em 2021, nos jogos de Tóquio, após a revelação do escândalo de doping que vigorou por anos na Rússia corroborado pela delação do médico Grigory Rodchenkov, os atletas russos puderam competir. Todavia, àqueles que subiram ao pódio não lhes foi permitido erguer a bandeira ou ouvir o hino do seu país; e ainda tiveram que se apresentar com a denominação de Comitê Olímpico Russo. Ao final, com 71 medalhas, a delegação do país transgressor faturou o 5º lugar.
O ardil russo tem se perenizado: em 2008 na edição de Pequim, a equipe brasileira do atletismo, revezamento 4×100 feminino, ficou em 4º lugar; oito anos após, a russa Yuliya Chermoshanskaya, uma das participantes do time russo, na mesma prova, foi flagrada em um exame antidoping retroativo, o que acabou invalidando o resultado anterior. A equipe verde amarela, somente em 2017, subiu ao pódio em uma solenidade sem nenhum glamour olímpico.
No evento que se aproxima, na França, mais uma vez os russos e a vizinha Belarus estão sofrendo tímidas e incipientes represálias do COI pela inoportuna e repugnante invasão ao território ucraniano, iniciada em 21 de fevereiro de 2022, e que se arrasta até hoje. A punição será semelhante à que ocorreu em Tóquio e com o mesmo enredo: os russos estarão nos jogos.
A decisão do COI é política e não isonômica e, porque não dizer, injusta. Pela análise histórica dos banimentos, boicotes e sanções, o órgão foi firme e assertivo com alguns estados membros, mas, mais uma vez omisso quanto à situação russa.
Os atletas daquele país fazem parte da população que reelegeu o autocrata e déspota Vladimir Putin por sucessivos mandatos. Ou seja, são nacionais que ratificam a sua política beligerante e coadunam com suas improbidades, como a máquina de doping que circunda o país: forjando resultados e maquinando atletas.
A tocha olímpica já se encontra acesa e o seu fogo traduz equidade, respeito e harmonia entre os países competidores. Entretanto, sempre que o COI for complacente com falcatruas e leniente com violações a direitos fundamentais, a chama olímpica perderá o seu brilho e algum dia pode ser que não acenda mais.
(*) Delegado Chefe da 35ª DP e professor de Educação Física