No dia 25 de abril, a Secretaria de Transportes e Mobilidade (Semob) abrirá os envelopes da licitação da concessão da rodoviária do Plano Piloto, que passará a ser gerida por uma empresa ou consórcio. A empresa (ou grupo) que apresentar a melhor proposta vai explorar o terminal e as áreas adjacentes dos setores de Diversão Sul e Norte pelos próximos 20 anos, incluindo as vagas de estacionamento, quiosques e outros imóveis.
Além da curiosidade em saber quem vai descascar o abacaxi, a maioria das pessoas que transita ou trabalha na Rodoviária quer saber o que irá acontecer com elas, e seus negócios dentro do complexo que divide as duas asas do avião projetado por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Ambulantes, donos de quiosques e concessionários de estabelecimentos como farmácias, pastelarias, restaurantes, lanchonetes, papelarias, lojas de acessórios para celulares, artigos femininos, sapatos e até hortifruti temem pelo futuro, apesar do edital da licitação garantir que todos terão preferência para permanecer onde estão ganhando o pão de cada dia.
Futuro incerto
Donos de quiosques e lojas que estão na rodoviária há 30 anos ou mais preferem não falar abertamente. “Existe um medo, neste momento, porque ninguém sabe o que pode acontecer”, destacou um senhor grisalho, cerca de 70 anos, que está há 40 anos em uma das lojas da plataforma superior.
O maior temor dos permissionários não é a questão da garantia da permanência ou mesmo a preferência de ficar no local, mas o preço que isso vai custar. “Hoje, eu pago R$ 6 mil de aluguel. É caro, mas dá para eu tocar minha vida. Mas, depois da privatização, que o governo chama de concessão, quanto o novo “dono” irá me cobrar?”, questiona o empresário.
Matheus Nascimento, que trabalha há 14 anos numa relojoaria no piso Leste da rodoviária, faz a mesma pergunta. “Privatizar vai ser bom por um lado: irá melhorar a segurança e a limpeza. Talvez diminua o número de ambulantes. Mas o que nós que trabalhamos nas lojas permissionárias queremos saber é se o patrão vai ter condições de pagar o aluguel e nosso salário”, destacou o vendedor, para quem a rodoviária está “abandonada, suja, largada”. “A expectativa é que, com a mudança de gestão, tudo seja reformado e melhorem as condições de trabalho”.
Ranislei Silva Carvalho, que tem um stand de fotos expressas (o antigo lambe-lambe) na parte Oeste da rodoviária há 28 anos, não se assusta com a concessão. “Tem muita gente preocupada exatamente pela falta de informações. Os aluguéis ou o preço pelo metro quadrado que passará a ser cobrado pelo futuro gestor é que está deixando muita gente de cabelo em pé”, afirmou. O velho fotógrafo reclama mesmo é do avanço da tecnologia, que atrapalha seu negócio. “Mas, como tem a permissão, enquanto der conta de pagar as taxas, vou ficando”.
Rodoviária não é shopping
O pintor profissional Ronaldo Nunes Santana passa todos os dias pela rodoviária, mas não estava sabendo da concessão para a iniciativa privada. Para ele, o local está “um pouco abandonado” e merece mais cuidado.
“Por uma parte, eu acho que vai melhorar, principalmente na questão de cuidado com o patrimônio. Mas, para o usuário que vai ter que pagar estacionamento, preços mais altos, não vai ser muito bom não”, avaliou. Ele é contra a ideia de transformar a rodoviária em uma espécie de shopping. “Aqui é uma rodoviária, uma área onde o povo circula. Se vierem com muita coisinha,vai acabar descaracterizando, e aí os preços vão lá para cima”.
O estudante de Ciência e Tecnologia do Iesb, Victor Souza Pereira, morador de Sobradinho, gosta da ideia da concessão para a iniciativa privada, mas alerta que se alguma coisa cair para o usuário pagar, não vai dar certo. “Tem que melhorar sem aumentar preços de passagens e sem sacrificar ainda mais o usuário do transporte público”, disse.
Ambulantes cobram espaço
A ambulante Diana Nascimento vende cuscuzeiras e utensílios domésticos no piso inferior. Ela acorda às 3h para chegar à rodoviária às 4h30 e fica todos os dias até as 20h. “Espero que o governo dê a todos nós uma nova oportunidade de trabalho, pois, com certeza, a empresa que ganhar não vai querer este monte de gente vendendo aqui”.
Mesmo sabendo que poderá ficar sem um local para trabalhar, Diana defende a privatização. “Acredito que vai melhorar. Hoje está muito ruim. Tem muito assalto e furto aqui. As escadas rolantes e os elevadores não funcionam, os banheiros são imundos. Isso tem que melhorar”, afirma.
Roberto Jorge, ambulante que vende aparelhos de barbear, se mostra esperançoso. “Espero que aconteça. Mas, para nós que somos ambulantes, não é bom, porque vão tirar a gente daqui”. Trabalhando há mais de 20 anos no local, ele é conhece bem a realidade. “Os elevadores não atendem a gente, as escadas rolantes só funcionam quando vem alguma autoridade”, disse.
Como usuário ele acredita que a rodoviária vai ficar melhor. Porém, para os camelôs não houve nenhuma orientação. “Ninguém falou nada sobre isso e nem como acontece. Normalmente eles levam a gente para algum lugar, onde não tem público. Já vivi isso várias vezes e não quero que aconteça novamente”, recorda.
Saiba+
A rodoviária tem 54 mil m² e recebe, em média, 700 mil pessoas diariamente. Cerca de 20 mil trabalhadores, entre permissionários, colaboradores das lojas e quiosques e ambulantes atuam no terminal. Só a tradicional Pastelaria Viçosa emprega em toda sua rede mais de 300 pessoas e vende 400 mil pasteis por dia nas duas lojas da rodoviária. A plataforma inferior é cortada pelos dois principais eixos de Brasília – o Monumental, no sentido Leste/Oeste, e o Rodoviário, de Norte a Sul.