Taguatinga já foi a satélite mais importante de Brasília. Tinha comércio pujante, setor de indústrias que atendia parte da demanda local por produtos próprios – inclusive de torrefação de café e fábrica de refrigerantes. Passear pela Avenida Comercial era um programa: loja para todos os gostos e bolsos e muita gente consumindo ou simplesmente desfilando…
Mas o que marcou Taguatinga durante muito tempo foi a agitada vida noturna. Bares, boates e restaurantes da cidade atraíam pessoas do Distrito Federal inteiro. Ninguém dispensava as paqueras na Rua da Alegria, no setor CSA, em frente ao Setor Hoteleiro; o rolê no entorno da Praça do Relógio ou a azaração na Praça do D.I., no setor CNA.
Era um charme, nas tardes de domingo, tomar cerveja à sombra das árvores do D.I., em mesas montadas pelos bares da vizinhança, enquanto os playboys filhinhos de papai desfilavam com suas máquinas reluzentes, barulhentas e envenenadas, arrastando as cocotas, que não costumavam dar bola para a ralé que chegava a pé ou de camelo. Como vingança, eram carimbadas de Maria Gasolina.
Por falta de visão de empresários que só pensaram no lucro imediato, e do governo, sempre mais preocupado em arrecadar impostos do que no bem-estar e nas tradições populares, a noite de Taguatinga definhou. Foi nesse hiato de tempo, dos fins dos anos 1990 até 2022, que reinou na cidade, pela perseverança e competência de seu fundador, o Restaurante do Santana.
A casa de Adonias Araújo Rodrigues Santana começou como um barzinho simples, no D.I., em 1987, e durante mais de duas décadas tornou-se a principal referência gastronômica taguatinguense, especialmente para os apreciadores da culinária nordestina.
Embora tenha resistido o quanto pôde, Santana também acabou tragado pela derrocada da noite taguatinguense. Mesmo funcionando – a exemplo do que acontecia desde os anos 90 – como ponto de encontro para reuniões políticas, o restaurante baixou as portas em definitivo após a campanha eleitoral de 2022.
Santana ainda tentou sobreviver do comércio. Abriu um quiosque na Rodoviária do Plano Piloto, com a ajuda do amigo José Humberto Pires. O negócio ainda engatinhava.
Dona Edna, histórica vendedora de galinha caipira, fornecedora do Santana, contou que ele havia passado em sua casa há poucos dias dizendo que planejava abrir um novo restaurante. “É só o que sei fazer nesta vida”, disse ele à amiga. Seria seu terceiro recomeço – por duas vezes, ele havia falido no ramo da gastronomia.
Não deu tempo. No dia 5 de fevereiro, endividado e contrariado com problemas pessoais, sofreu um infarto. Procurou socorro no hospital Anchieta, mas morreu na recepção, enquanto aguardava atendimento médico.
A morte do empresário, aos 62 anos, pôs fim a uma geração de empreendedores que transformou Taguatinga no point da boemia candanga. Antes dele, havia partido o libanês Sleiman Nagib Abi Aidar, não menos saudoso, dono do extinto Bar do Primo. Lourival Menezes, que criou diversas casas, entre elas o Fornassa e o Antúrios, se aposentou. Atualmente, só frequenta restaurantes como cliente.
Assim, a morte precoce de Santana deixa um vácuo no comércio e entre as centenas de amigos, clientes e admiradores que conquistou desde que chegou de sua pequena Independência, no interior do Ceará, para trabalhar como ajudante de cozinheiro.
Seu primeiro emprego foi no então badalado restaurante do Hotel Nacional, onde chegou a garçom. De visão empreendedora, decidiu abrir seu próprio negócio, vendendo churrasquinho no espeto e cerveja, numa pequena loja no D.I.
Sua busca por uma melhor condição de vida e a disposição para trabalhar dia e noite o levaram muito além do que poderia imaginar aquele retirante nordestino de formação primária quando saiu de sua terra natal rumo à Capital da Esperança.
Agora, o D.I., que já não tinha o Primo, perde o Santana. E Taguatinga fica sem o atrativo que movia muitas pessoas para aquelas bandas.
Pior para todos nós, apreciadores de uma boa conversa de boteco, com cerveja estupidamente gelada e tira-gostos especiais.
Taguatinga ficou mais triste.
Santana foi embora antes da saideira.
(*) Texto publicado originalmente no Correio Braziliense em 17/03/24