Alessandra Roscoe (*)
De 4 a 8 de março, o setor cultural fez festa em Brasília, durante a 4ª Conferência Nacional de Cultura (CNC), no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. O encontro de mais de 3 mil delegados vindos de todos os cantos do Brasil, recepcionados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra Margareth Menezes, foi coroado por vários shows e muitos avanços políticos, depois de artistas e produtores enfrentarem inúmeras perseguições, como a extinção do MinC e o desmantelamento de políticas públicas duramente conquistadas ao longo de décadas.
Na abertura do evento, Lula disse que a Cultura voltará a ser prioridade. E cobrou dos artistas a conscientização política da sociedade. “Não podemos esquecer o que o Brasil passou há pouco tempo. Uma matilha de cachorro louco governou o País. Eles adorariam que a gente esquecesse. Dizem pra gente tocar o barco. Mas não podemos. Se a gente esquece da nossa Cultura, a gente deixa de ser povo e passa a ser rebanho. Nós vamos sair daqui dizendo ‘nunca mais este país ficará na escuridão do fim da Cultura, porque nós queremos as luzes acesas’”.
A ministra Margareth Menezes lembrou que na Cultura vive a democracia, e que a sociedade precisa enxergá-la (a Cultura) como elemento estratégico para o desenvolvimento do país, como patrimônio e identidade de seu povo. “Estamos vivos! O MinC está de volta, maior e mais forte. Temos mais de 5 mil pessoas envolvidas na construção desta Conferência. Isso mostra a consolidação do que prometeu o presidente na campanha: menos armas, mais livros, mais dança, mais cinema”.
Margareth Menezes reiterou que “a Cultura é um direito, mas é preciso que a sociedade cobre para que a gente possa realizar. E é isso que a CNC está fazendo: dando voz e voto a representantes de todas as áreas e do país inteiro para que se construam, efetivamente, as políticas públicas para o setor”. A economia criativa movimenta 3,11% do PIB Nacional e emprega 7,5 milhões de pessoas em 130 mil empresas formalizadas.
Novos Tempos
Participaram da abertura da 4ª CNC artistas de várias linguagens. Fafá de Belém cantou o Hino Nacional e o poeta pernambucano Antônio Menezes anunciou em versos “o funeral da década das ausências, das brancas nuvens”. E nomeou os participantes da Conferência como “Imperadores da Esperança”.
Grupos regionais de dança, rappers e músicos se revezaram no palco com as autoridades. Apesar do clima festivo, a CNC teve trabalho árduo para a construção política das metas e prioridades na Cultura para os próximos dez anos. Dela saíram 30 prioridades para o novo Plano Nacional de Cultura.
A Conferência foi dividida em setoriais de linguagens que abrangeram da cultura popular ao audiovisual. Entre eles, Livro, Literatura e Bibliotecas; Culturas Indígenas, Cultura Digital e Patrimônio Imaterial. Com o tema Democracia e Direito à Cultura, a 4ª CNC aconteceu em clima de esperança, mas ainda diante do enfrentamento de casos como a censura a livros e conteúdos.
Representantes das mais variadas manifestações artísticas apresentaram suas prioridades. Iyá Márcia D’Ogum veio como delegada do povo do Candomblé da Bahia. Trouxe a certeza de que a construção coletiva é o caminho para estruturar políticas combativas e eficientes. Também estavam presentes ciganos, quilombolas, coletivos de artes negras, periféricas, LGBTQIA+ e povos indígenas.
O escritor Davi Kopenawa, liderança indígena Yanomami, teve fala inspiradora durante a Conferência. Contou que participou pela primeira vez de um fórum tão importante e com possibilidades de construção efetiva de ações e políticas estruturantes. A cacica Milena Kukama, da delegação do Amazonas, também se disse muito feliz e esperançosa com a possibilidade de ajudar a estruturar o Plano Nacional de Cultura.
Demandas e Desafios
Durante toda a semana, o desafio foi compilar as mais de 140 propostas de cada setor que vieram das conferências estaduais e municipais, realizadas antes da etapa nacional, e ainda criar novas proposições. Cada um dos seis setoriais teve a missão de aprovar duas propostas das etapas estaduais e criar outras duas. Ao todo, foram tiradas da Conferência 30 prioridades para o PNC.
A presidente da Liga das Editoras Independentes (Libre), Lizandra Magon, que acompanhou os trabalhos do setorial de Livro, Leitura e Bibliotecas, ressaltou a participação popular depois de um período que não queria isso. “Vamos levar para a construção do Plano Nacional demandas muito pertinentes e com possibilidades reais de acontecerem. Claro que é preciso garantir a execução dos recursos no nosso setor. A meu ver, o leitor é que tem que nortear todas as propostas”.
Para Fabiano Piúba, secretário de formação de livro e leitura do MinC, a CNC tem um importante papel político e institucional. “Ao longo desses dias, discutimos o que será prioridade. E isso tem um efeito prático. Para se ter uma ideia, a primeira CNC estabeleceu como prioridade 1 a criação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que não tinha na Constituição. Na época, após a Conferência, foi encaminhada ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição e hoje temos o SNC criado e instituído pelo o artigo 116 da CF”, disse.
Este ano, ainda na quarta-feira (6), o Senado aprovou a lei que regulamenta o SNC, o que se consolida como mais um resultado prático da 4ª CNC. “Além disso, a Conferência termina, mas ela não se esgota. Vamos realizar agora os seminários para a construção do PNC”.
Na sexta-feira (8), as delegações trabalharam na proposição de políticas capazes de fortalecer os direitos culturais e reforçar o estado democrático. E se os dias foram de trabalho intenso, as noites foram de celebração, com apresentações e shows gratuitos. Em destaque, a diversidade musical, com Fafá de Belém, Diogo Nogueira, Ellen Oléria, DJ Pezão, Daniela Mercury, Paulinho da Viola, Orquestra Alada Trovão da Mata, Boi do Seu Teodoro, grupos de quadrilha e capoeira, entre outros.
(* )Jornalista e escritora – Especial para o Brasília Capital