Mariluce Fernandes (*)
Embora o Brasil tenha se tornado um estado laico há 132 anos, os adeptos das crenças de matriz africana sofrem a maioria dos ataques de intolerância religiosa no País. Para falar sobre o assunto, o líder afrotradicional do Candomblé de Angola, Tata Ngunzetala (Francisco Aires Afonso Filho), foi entrevistado pela TV Povo Negro (parceria do Sindicato e com o Sinpro-DF), por ocasião do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (21 de janeiro).
Desde 2007, a data lembra a necessidade de respeitar a liberdade religiosa, princípio fundamental garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal brasileira. Tata Ngunzetala falou sobre a origem e características do candomblé até os dias atuais. Enfatizou que a intolerância a religiões de matriz africana é fruto de um sistema racista. E destacou a importância de as novas gerações valorizarem a ancestralidade.
“É preciso que, na sala de aula, quando se refere a africanos, não se fale os pretos, mas os povos africanos. Porque foram trazidos para cá indivíduos que tinham pertencimentos (povos específicos, línguas, nível hierárquico, tradições diferentes, como vestimenta, alimentação). Cada povo tinha uma cultura diferente. É fundamental respeitar isso”.
O líder afro ensinou: “Quando falamos de ancestralidade, estamos falando de vida eterna, que não tem nada a ver com salvação e condenação. Tem a ver com reconhecimento. Eu sou resultado de quem já veio antes de mim. Por isso que o mais velho é muito cuidado e respeitado. Se a tradição africana fosse a predominante hoje no Brasil, não teríamos idosos desrespeitados, abandonados. Não teríamos crianças abandonadas, porque o conceito africano é esse: que a criança é responsabilidade coletiva, e o mais velho é um bem coletivo no sentido de ser o futuro ancestral. Quanto mais velho, mais ele se aproxima da ancestralidade. Então, o mais velho de hoje é o mais próximo da ancestralidade”.
Em 2021, Ngunzetala foi vítima da intolerância da PM de Goiás, quando da caçada a Lázaro Barbosa, suspeito de matar uma família do DF. À época, a PMGO invadiu espaços sagrados e fotos desses locais foram divulgadas pelas autoridades como se fossem da casa de familiares do assassino. “Fizeram uma inquisição religiosa”, denunciou o líder afro, acrescentando que houve uma tentativa, por parte das forças policiais, de associar a religião ao crime e algo satânico.
Líder social, escritor, comunicador e produtor cultural, Tata Ngunzetala é graduado em Teologia pela Fateb (1994) e em Pedagogia pela UnB (2002). Ele atua na liderança dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e preza pelo legado dos ensinamentos do candomblé. Sua contribuição comunitária é reconhecida pelo comprometimento com a preservação da cultura africana e das tradições dos povos originários.
Escalada da intolerância
É alarmante a escalada da intolerância religiosa no Brasil nos últimos cinco anos. O número de denúncias ao Disque 100 aumentou140,3%, saltando de 615 em 2018 para 1.418 em 2023. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
De acordo o IBGE, as religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, estão entre as cinco mais seguidas no Brasil. São mais de um milhão de adeptos no País, enquanto os católicos praticantes representam a maioria (123 milhões), seguidos pelos evangélicos, com 113 milhões.
A punição para quem pratica crimes de intolerância religiosa foi fortalecida em janeiro de 2023. Se condenado, o réu pode cumprir até cinco anos de prisão, além de multa. A lei 14.532, que versa sobre o tema, equipara injúria racial ao racismo e protege a liberdade religiosa, tornando o crime imprescritível e inafiançável.
(*) Do Seeb Brasília