A Esplanada dos Ministérios deve ganhar um novo prédio. O Ministério da Cultura anunciou a construção do Museu da Democracia, um espaço para memória e união dos setores democráticos do País. Um local para que não caia no esquecimento a tentativa de fascistas em provocar um novo golpe de estado, 59 anos depois do golpe de 1964, que rendeu 21 anos de chumbo ao Brasil.
Preservar o passado ajuda a construir o futuro, e no caso nacional, informar às novas gerações, que pouco sabem do que aconteceu ao longo da ditadura militar, em decorrência de uma bem-sucedida política de ocultação e desvirtuamentos dos fatos. Até livros escolares de Históriafavorecem essa amnésia política nacional.
Como sugerido neste espaço há um ano, no mesmo intuito, deveria ser instituído no nosso calendário cívico, na data de 8 de janeiro, o Dia Nacional de Combate ao Arbítrio e à Intolerância. É positiva a ideia de se criar um local para manter aceso nas mentes de todos a gravidade do que a intolerância pode fazer. “Museu” pode não ser o termo mais adequado, pois democracia deve ser, também,presente e futuro. É questionável também se não haveria em Brasília outro local, onde o simbolismo dessa missão não fosse maior.
Museus que não saíram do chão
O espaço definido pelo governo, ao lado do Teatro Nacional, é onde, outrora, dois outros projetos não frutificaram. Durante o governo do general Figueiredo, o então ministro das Minas e Energia, Cesar Cals, propôs erguer o Museu da Terra.
Em tempos de Projeto Radam, seria um espaço para exibir, em pleno “milagre econômico”, as riquezas minerais do Brasil, inclusive as gigantescas pepitas de ouro, encontradas em Serra Pelada. As escavações chegaram a ser feitas, mas o Museu da Terra não saiu do buraco.
Na Nova República, Darcy Ribeiro propôs que o local abrigasse o Museu do Homem Brasileiro. Seria ummuseu da história natural focado na construção da brasilidade. Talvez ele já antevisse que, nos dias de hoje, viria a ser um ótimo meio para eliminar os sentimentos xenófobos, a discriminação existente entre sulistas e nordestinos e para mostrar a importância de negros, indígenas, de todos os migrantes estrangeiros que ajudaram a construir o cidadão brasileiro. Mas o educadorfaleceu sem ver o projeto se materializar, apesar da promessa de seu amigo Oscar Niemeyer em projetá-lo.
Ruinas da UnB
Desde 2006, uma área de 12 hectares, no Setor de Clubes Norte, que por decreto da então governadora Maria de Lurdes Abadia foi destinada à constituição do Parque Ecológico da Enseada Norte, entre o Iate Clube e a UnB, abriga uma obra abandonada.
Batizado de Ruínas da UnB, que, na prática, nada tem de ligação com o assunto, o espaço foi projetado na década de 1970 pelo arquiteto Sérgio Bernardes, e se destinava a sediar o extinto Serviço Nacional de Informação (SNI), segundo uma versão de historiadores. Outra hipótese, seria a sede em Brasília da Escola Superior de Guerra.
Em ambas versões, a demanda teria sido do general Golbery do Couto e Silva – um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional -, que dirigiu o SNI até 1967 e, depois, foi chefe da Casa Civil nos governos dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo.
A proposta Bernardes previa um prédio com três pavimentos, 140 metros de extensão e 20 metros de largura nas extremidades do triângulo. Teria cinco auditórios e salas para as áreas administrativa e pedagógica. A construção seria na beira do Paranoá, em parte dentro da água. O prédio começou a ser construído, mas as obras foram abandonadas.
Simbolismo
A exemplo do que ocorreu com a sede em Belo Horizonte do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a polícia política dos militares, que passou a abrigar o Memorial dos Direitos Humanos; e a do homólogo estadual de São Paulo (Deops), que hoje sedia o Memorial da Resistência de São Paulo; o mesmo poderia ocorrer com o projeto idealizado por Golbery.
Nada seria mais maquiavélico e com o mesmo sentimento ardiloso do que destinar para as reflexões da democracia o espaço outrora pensado para berço de novas teorias do arbítrio. Mais do que um museu, deve se transformar num centro de estudos e pesquisa, abrigando, inclusive, os documentos levantados pela Comissão Nacional da Memória e pelas diversas comissões setoriais, como as que foram formadas pela UnB, Sindicato dos Jornalistas e OABs.
O Museu na Esplanada está orçado em R$ 40 milhõese depende de um projeto arquitetônico. Brasília, que foi tão vilipendiada no 8 de janeiro, agradeceria a iniciativa de se recuperar uma área nobre, hoje entregue ao abandono e a um passado obscuro.
E, quem sabe, juntos, os ministérios dos Direitos Humanos, dos Povos Indígenas e da Mulher não retomam a ideia de Darcy Ribeiro e materializam o Museu do Homem Brasileiro?