Na parede, o quadro de uma leoamulticolorida, com olhar de gatinha mansa; sobre a mesa de trabalho a miniatura de uma viatura da Polícia Federal, mimo provavelmente presenteado pela própria instituição; do lado oposto, uma estante com as principais comendas recebidas ao longo da carreira. Ao redor, uma assessoria composta majoritariamente por mulheres – chefe de gabinete, secretária, assessora de imprensa. No centro do gabinete, uma mulher sóbria e determinada, focada e comprometida com o projeto político que traçou para si, de, um dia, chegar à principal cadeira do Palácio do Buriti e governar a capital da República, que diz amar ao mesmo tempo como filha, mãe e irmã.
Na terça-feira (21), a vice-governadora Celina Leão (PP) recebeu o Brasília Capital para esta entrevista exclusiva. Durante 20 minutos cronometrados, respondeu, objetivamente, sem rodeios, a todas as perguntas do repórter, desde temas como a crise institucional do 8 de janeiro, passando pelo debate do Fundo Constitucional do DF até sua disposição de suceder Ibaneis Rocha
(MDB) a partir de 2027.
Celina adiantou que a prioridade da atual gestão para o próximo ano será uma transformação geral na Saúde, com o uso de tecnologia. E elogiou a postura do presidente Lula pelo tratamento republicano que dispensa a Brasília, apesar das diferenças ideológicas entre os governos federal e local – ela e Ibaneis apoiaram abertamente a reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Para mim, as coisas acontecem quando precisam acontecer. Acredito muito em Deus e que as pessoas têm uma função na Terra. Somos muito breves aqui. Se estiver escrito que serei eu, serei eu. Se é para ser outra pessoa, será outra pessoa”
“Aguardo 2026 com muita naturalidade. Esse sempre foi o meu foco: trabalho, trabalho e trabalho. Não estou ansiosa. Tem muita gente que está mais ansiosa do que eu. Para mim, as coisas acontecem quando precisam acontecer. Acredito muito em Deus e que as pessoas têm uma função na Terra. Somos muito breves aqui. Se estiver escrito que serei eu, serei eu. Se é para ser outra pessoa, será outra pessoa”, afirma, sem disfarçar que se esforça muito para que as coisas aconteçam como ela pensa e deseja.
Há um mês do Natal de um ano muito difícil, qual é o melhor presente que Papai Noel deixa para Brasília em 2023?– As entregas do governo. São várias. Temos melhorado muito a infraestrutura das cidades. Temos uma preocupação muito especial também com a parte da assistência à pessoa, com um grande número de programas sociais, ampliando muitos deles. Inauguramos vários restaurantes comunitários, avançamos na Saúde, que é um problema no Brasil inteiro pós-pandemia, e aqui não é diferente. Mas nós conseguimos operar quase 10 mil pessoas. Estamos fazendo o chamamento de anestesistas para abrir mais de 20 salas de cirurgia e voltar à normalidade das nossas cirurgias eletivas, melhorando e ampliando todo o parque tecnológico dos nossos hospitais.
E como tem sido a resposta da população a este esforço do governo? – Éum governo de trabalho, que não espera a população reclamar. Que se antecipa às demandas. E uma demanda puxa a outra. Você termina, por exemplo, o viaduto de Sobradinho, começa o pedido da terceira faixa até Planaltina. Uma benfeitoria puxa a outra. A população pede e nós estamos aqui realmente para tentar atender a população.
Qual foi o presente de grego que Brasília recebeu em 2023? – Sem dúvida, o presente de grego que Brasília recebeu foi a tentativa de retirar o Fundo Constitucional da cidade. Mas, graças a Deus e ao apoio de vários políticos e parlamentares, conseguimos reverter essa situação. Isso é, para nós, questão da sobrevivência, de qualidade de vida da nossa cidade, do crescimento da nossa Segurança Pública, da nossa Saúde, da nossa Educação.
A sua articulação política naquele momento, como governadora interina, foi fundamental. Qual foi a importância da sua amizade com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para o sucesso da empreitada? – Houve críticas nas prévias e depois não houve tanto reconhecimento. Mas é normal na política. Se perdêssemos esse Fundo, a responsabilidade seria minha. Mas, como o mantivemos, não é. Muitas pessoas da classe política me cobravam isso. Mas eu acho que mais importante do que o reconhecimento da vitória é a gente saber que nossa cidade está sendo bem atendida.
A senhora equipara esse presente de grego à tentativa de golpe que ocorreu no dia 8 de janeiro? – Não. Eu acho que são momentos totalmente distintos. Acho que o dia 8 foi uma fatalidade, inclusive para nós do Governo do Distrito Federal. Ninguém tinha a expectativa daquele resultado. Foi muito doloroso para nós, para mim, principalmente, que tive que assumir a cidade num momento de muita crise, de muita tensão política e de muita animosidade, em que o Estado não consegue controlar a classe política, coordenar todo o processo e não consegue governar. Graças a Deus, a gente conseguiu sair daquela crise. Já o Fundo Constitucional foi um equívoco até do relator à época, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que tinha uma visão de austeridade. Até a visão dele a gente entende, mas o FCDF é algo excepcionalíssimo, como também é a nossa capital. São dois momentos muito distintos. Se não tivéssemos um pulso forte, nós teríamos resultados muito negativos em ambos.
Estamos chegando a 2024, provavelmente com uma nova perspectiva. Qual o presente a senhora está preparando para a população no novo ano? – O bom presente que nós estamos preparando é uma transformação geral na área da saúde. Estamos focados nisso. Temos trabalhado, feito reuniões de 15 em 15 dias. Uma determinação também do governador Ibaneis. Fizemos uma mudança estratégica na gestão para colocarmos pessoas com mais perfil técnico e rastreamento de medicamentos, informatização de toda a rede. Eu acredito que essa é a forma que a gente precisa trabalhar. Tem algo que a gente tem investido muito e que eu acredito que é o melhor caminho: o uso da tecnologia para melhorar a vida do cidadão e para as ações do governo. Tecnologia gera transparência. O cidadão tem como acessar os órgãos de controle e ter acesso a tudo.
“Em tecnologia, o Brasil ainda tem muito a melhorar. Eu acho que Barcelona é um bom exemplo. É uma meta nossa. Desde a questão da mobilidade, o uso de ciclovias e muita acessibilidade. Barcelona é um grande exemplo disso”
Já existe algum modelo que o governo pretende seguir nessa empreitada? – Eu estive em Barcelona (Espanha) há alguns dias, no encontro Cidades Inteligentes. O Brasil ainda tem muito a melhorar. Eu acho que Barcelona é um bom exemplo. É uma meta nossa. Desde a questão da mobilidade,o uso de ciclovias e muita acessibilidade. Barcelona é um grande exemplo disso. Então, a gente tem que ver o que é bom, para cada dia melhorarmos mais.
Ao adentrarmos 2024, estaremos a dois anos de 2026. Como Celina Leão está se preparando para ele? – Com muita naturalidade. Eu acho que esse sempre foi o meu foco: trabalho, trabalho e trabalho. Não estou ansiosa para 2026. Acho que tem muita gente que está mais do que eu. Para mim, as coisas acontecem quando precisam acontecer. Acredito muito em Deus e que as pessoas têm uma função aqui na Terra, porque nós somos muito breves aqui. E se estiver escrito que serei eu, serei eu. Se é para ser outra pessoa, será outra pessoa.
Mas a senhora tem trabalhado para ajudar no que está escrito… – Estar tranquila não significa me eximir da minha responsabilidade. Eu tenho certeza de que ajudei muito para que o governador Ibaneis ganhasse a eleição no primeiro turno em 2022. Colaborei para esse resultado. Quando as primeiras pesquisas indicavam 35% para ele e agreguei – e com certeza a nossa campanha foi uma agregação de fatores, e eu participei disso –, houve o crescimento para a vitória em primeiro turno. Então, a minha responsabilidade como vice-governadora é muito grande.
Como é a sua convivência com o governador Ibaneis? – O governadorIbaneis é uma pessoa que compartilhapoder, se a pessoa faz por merecer. Ele me pede e me direciona responsabilidades, e assim estou sempre me movendo para tentar ajudá-lo. Eu acho que esse espírito de colaboração vai ao encontro da expectativa daquilo que as pessoas tiveram da nossachapa.
A senhora já disse que o governador tem o caminho praticamente pavimentado para chegar ao Senado em 2026. Mas já surgiram boatos de que ele pode cumprir o atual mandato até o final e não concorrer a nada. Qual sua opinião? O que isso mudaria na sua candidatura? – Praticamente nada. O candidato precisa ter um partido para ser candidato. E eu estou muito bem no PP. Acho que o nosso grupo político está muito bem consolidado e o governador Ibaneis é o nosso comandante maior. Com certeza, o nosso líder maior. Mas a percepção que eu tenho é que eu nunca o ouvi falar sobre isso. Nenhum grande líder abre mão da liderança. No mínimo, ele vai dizer que,pelo menos, candidato ele pode ter.
Admitamos que venha a ser esta a decisão dele… – Esta é uma opção que ele tem. Mas a percepção que eu tenho o tempo todo é de que não é assim. Se essa fosse a vontade dele, talvez ele falasse isso no último momento, porque política não tem vácuo. Eu acho que isso foi muito bem plantado por pessoas que têm essa expectativa. Imaginemos que o governador Ibaneis não saia para o Senado. Isto abriria um outro leque de perspectiva política, porque política não vive de vácuo. As pessoas começam a se movimentar. E isso é bom do ponto de vista de quem entende de política. Avalio que esta é uma notícia muito negativa, não para mim, mas para o governador. Porque qualquer político que abre mão dos seus espaços e da sua força política antes da hora, se enfraquece. Por isso, eu tenho a minha convicção de que isso foi uma nota plantada para tentar tirar até quem está no jogo, como ele, que está muito bem pontuado. Lembro que quando eu ainda não era candidata a deputada federal – eu fui candidata no último momento –, a movimentação para me tirar o voto era esse “não”: ela não é candidata a nada. Aí te esvazia. Então, eu acho que mesmo que essa seja uma decisão dele, e ele pode optar por ela, só vai dizer isso num último instante. Para mim, essa fofoca não tem a cara, nem o cheiro, nem a percepção do nosso governador.
“A gente nominar pessoas é muito complicado. Corre-se o risco de ser injustocom as pessoas. Mas eu acho que faz parte da política. E é até bom essa movimentação. Dá uma mexida no cenário e gera e notícia”
A senhora acha que é fogo amigo? – A gente nominar pessoas é muito complicado. Corre-se o risco até de ser injusto com as pessoas. Mas eu acho que faz parte da política. E é até bom essa movimentação. Dá uma mexida no cenário e gera notícia. Mas eu acho que isso não se consolida e que o próprio governador deve se posicionar sobre isso.
Além das obras e dos projetos para a Saúde para o próximo ano, quais as perspectivas para a Educação. Foi muito triste o noticiário sobre a merenda escolar estragada. A senhora convive diariamente com a população carente. O que se pode fazer para melhorar essa situação? – A Educação é uma pasta grande, como a Saúde. Temos problemas em todas as nossas pastas grandes. São problemas na ponta, às vezes difíceis de serem administrados, mas que podem ser corrigidos e alinhados.
O Sindicato dos Professores cobra a efetivação dos concursados. Isto melhoraria o quadro atual? – Ajudaria em outro aspecto e o governo tem se esforçado para minimizar esta situação. Mas, em relação à merenda, toda a parte de refeição é terceirizada há muitos anos. Então, é fazer cobrança mesmo e compartilhar responsabilidades com as pessoas que estão na ponta – os diretores de escolas, por exemplo. Porque você não tem como monitorar uma equipe 24 horas por dia. Você precisa delegar, e as pessoas precisam corresponder. E eu acho que a melhor forma de acompanhar isso, primeiro, é a própria sociedade denunciar qualquer tipo de problema, porque a Secretaria rapidamente toma as decisões, cobra e abre os procedimentos internos de apuração.
A senhora vê algum tipo de omissão por parte da Secretaria de Educação? – Tem muita coisa que acontece com esse monitoramento, até porque a Secretaria tem dado todos os instrumentos para que não falte os insumos nas escolas. E essa merenda tem um controle, além de uma certa autonomia dos diretores de escolas, via o Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF). Então, isso precisa ser cobrado e realmente respostas precisam ser dadas para que isso não ocorra mais no DF.
O GDF lançou hoje (21) a obra de duplicação da BR-080, em Brazlândia, com um orçamento de R$ 320 milhões do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Isto é uma prova de uma boa relação com o governo federal? – Apesar das diferenças ideológicas, eu acho que esse é o caminho para quem quer viver numa democracia. Se você quer viver numa democracia, precisa sentar à mesma mesa que uma pessoa que pensa totalmente diferente de você e alinhar coisas positivas para a sua cidade. Aqui tem pessoas que votaram no Lula por motivos pessoais, outras votaram no Bolsonaro por convicção. Agora, eu e o governador Ibaneis, como representantes de todos, precisamos relevar essas questões e ir atrás, pedir e pactuar tudo que for importante para o DF, porque a população precisa. É muito mais nobre você pedir e buscar do que falar: “não, eu não preciso trabalhar”. Na classe política, a gente fala muito em “lacração”. Ela dá muitos likes, muitas curtidas, mas, objetivamente, não traz benefício para a população. Aqui, a gente trabalha pensando na vida das pessoas que mais precisam. E nós agradecemos, inclusive, o tratamento republicano que nos é dado pelo governo Lula. Isso é o pacto federativo.
“Na classe política, a gente fala muito em “lacração”. Ela dá muitos likes, muitas curtidas, mas, objetivamente, não traz benefício para a população. Aqui, a gente trabalha pensando na vida das pessoas que mais precisam. E nós agradecemos, inclusive, o tratamento republicano que nos é dado pelo governo Lula. Isso é o pacto federativo”
Vou citar três nomes e a senhora atribui uma nota ou comentário sobre a sua relação com essas pessoas. Arthur Lira. – Arthur Lira é meu líder, do meu partido. Temos uma relação muito próxima. Difícil dar uma nota. Mas é uma pessoa que nunca me faltou. Tem sido um companheiroe um grande líder, um amigo, um presidente de um Parlamento que sempre se coloca como forte.
Rodrigo Pacheco – O presidente do Senado também é um grande amigo. Nos ajuda muito. No assunto do Fundo Constitucional, ele tem sempre sido republicano conosco.
Presidente Lula – Tem mantido o pacto federativo conosco. Todas as vezes que precisamos de alguma coisa, os ministros estão sempre prontos para dialogar conosco. Da parte de tratamento ao GDF, também não tenho nenhuma negativa, nenhuma queixa no seu principal interlocutor.
Quem é seu principal interlocutor na Esplanada dos Ministérios? – Eu tenho uma boa relação com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), com quem eu tive a oportunidade de ser deputada na mesma legislatura. Apesar das nossas diferenças ideológicas, sempre houve um respeito ao meu trabalho como coordenadora da bancada, e ele sempre tem nos atendido todas as vezes que nós recorremos a ele.