Felipe de Santa Cruz (*)
Na segunda-feira (11), foi finalizado o julgamento sobre a constitucionalidade das contribuições negociais. Em uma mudança no posicionamento da Corte, a extensão da cobrança das contribuições negociais aos não associados foi reconhecida como constitucional, desde que pactuada em acordo ou convenção coletiva e garantido o direito de oposição.
Desde a reforma trabalhista, em vigência desde novembro de 2017, o fim do Imposto Sindical e a vedação de cobrança das contribuições assistenciais aos não associados colocaram em xeque a viabilidade financeira das entidades sindicais.
Até então, a contribuição era descontada compulsoriamente, relativa a um dia de trabalho por ano e repassada às entidades sindicais. Muitas entidades sindicais se opunham a esse sistema de desconto.
Alguns sindicatos devolviam o imposto aos trabalhadores descontados ou aos seus sócios, como forma de mitigar as críticas e mostrar sua conexão com a base. No entanto, a contribuição obrigatória era uma fonte de arrecadação estável e garantida a todos os sindicatos.
Outra modalidade era a imposição de contribuições assistenciais ou negociais, isto é, previstas em normas coletivas e, portanto, aprovadas diretamente pelos trabalhadores em assembleia. Muitas dessas cláusulas já previam a possibilidade de o trabalhador se opor à cobrança.
Em contrapartida, o produto da atuação sindical, especialmente os textos dos acordos e convenções coletivas, aproveitavam a todos os integrantes da categoria, filiados ou não, contribuintes ou não.
A Reforma Trabalhista proibiu o desconto das contribuições sem a expressa e prévia anuência do empregado, o que resultou numa queda de mais de 80% na arrecadação das contribuições sindicais de 2017 para 2018, segundo o portal de relações sindicais do Ministério do Trabalho e Emprego.
Apesar de intenso debate sobre a natureza tributária das contribuições, o Supremo declarou, em 29 de junho de 2018, a constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória.
A Constituição é um marco em nossa redemocratização e prevê como regra a liberdade sindical. Nela foram mantidos os pilares do sindicalismo brasileiro: a representação compulsória e a unicidade sindical.
Assim, ainda que o trabalhador não deseje se filiar ao sindicato, ou mesmo que discorde completamente das medidas tomadas por este, ele tem direito aos benefícios – notadamente reajustes salariais – negociados e firmados nos acordos e convenções coletivas do seu sindicato.
Desde o início da vigência da Reforma Trabalhista, vive-se um paradoxo: a negociação de acordos e convenções coletivas de trabalho segue tendo efeito para todos os membros da categoria, mas os integrantes da categoria representada e beneficiada não têm qualquer obrigação de financiar o funcionamento dos entes sindicais que negociam estas mesmas normas.
Apesar de aprovada a reforma sob o discurso que era preciso reaproximar o sindicato das bases, a contribuição assistencial, aprovada em assembleia com participação direta dos trabalhadores, foi inviabilizada. Ainda que houvesse aprovação em assembleia, era necessária autorização individual.
A reaproximação das bases que ignora a necessidade de participação do trabalhador em assembleia não passa de um discurso vazio. É o contato mais direto do trabalhador com seu sindicato e onde há possibilidade de participação efetiva.
O Brasil se encontrava em descompasso com as recomendações dos órgãos nacionais e internacionais na área de proteção ao trabalho. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT dispõe que “a questão do desconto de contribuições sindicais pelos empregadores e seu repasse para os sindicatos deve ser resolvida pela negociação coletiva entre empregadores e sindicatos em geral, sem obstáculos de natureza legislativa”.
Mesmo o Ministério do Trabalho possuía uma ordem de serviço desde 2009 que assegurava a cobrança de contribuição assistencial de toda a categoria, desde que assegurado o direito de oposição.
Tratando especificamente do tema do repasse de contribuições, a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS) do Ministério Público do Trabalho (MPT) editou o Enunciado 24, segundo o qual “a contribuição sindical será fixada pela Assembleia Geral da categoria, registrada em ata, e descontada da folha dos trabalhadores associados ou não ao sindicato”.
E, ainda, editou a nota técnica nº 2, refletindo o entendimento que os abrangidos pela negociação coletiva devem participar do financiamento desse processo, “sob pena de inviabilizar a atuação sindical, bem como atuar como desincentivo a novas associações”.
A contradição entre retirada da compulsoriedade do Imposto Sindical sem alterações na estrutura no sistema sindical foi reconhecida no voto do ministro relator Gilmar Mendes. Ele reconhece que o ordenamento jurídico brasileiro, até a reforma, baseava seu sistema sindical na conjugação da unicidade sindical e da contribuição obrigatória e, com o fim do Imposto, “os sindicatos perderam sua principal fonte de receita, mas essa inovação – calcada na ideia de que os empregados deveriam ter o direito de decidir se desejam ser representados por determinada entidade sindical -, não veio acompanhada do estabelecimento da pluralidade sindical”.
O voto destaca, ainda, o esvaziamento da função de representação sindical na ausência dos recursos financeiros necessários à sua manutenção. Com o voto da maioria dos ministros, a tese fixada pelo STF reconhece ser “constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.
A forma de exercício do direito de oposição é um tema que merece ser regulado para garantir a efetiva participação do trabalhador, o contato com o sindicato e evitar que se torne um mecanismo de esvaziamento dos sindicatos por parte de empresas mal-intencionadas. Pode ser uma excelente oportunidade para avançar na regulamentação de práticas antissindicais no País.
Com o julgamento, o Brasil se reposiciona no sentido de garantir a efetiva liberdade sindical e de criar condições fáticas para reaproximação do sindicato com os trabalhadores, ao privilegiar espaços de exercício da autonomia coletiva.
Mais que isto, a decisão do Supremo corrige o curso tomado pela reforma que, ao exigir autorização individual para contribuição, esvaziava a autonomia coletiva dos sindicatos, derivação direta da solidariedade como objetivo republicano e dos valores sociais do trabalho.
Privilegia-se, agora, a participação em assembleia como espaço de coletividade e troca, que compreende uma relação de proximidade com os sindicatos, o uso da autonomia coletiva e as negociações coletivas como forma de afirmação do paradigma dos direitos sociais do trabalho.
(*) Ex-presidente da OAB Nacional