Nas barras do Tribunal
Única obra de peso da administração Rollemberg, a construção do Trevo de Triagem Norte – TTN – pode parar nas barras dos tribunais. Foi solicitada às Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e de Defesa da Ordem Urbanística a suspensão temporária dos trabalhos. Assinam a petição seis entidades comunitárias e movimentos sociais, dentre elas o Instituto Histórico Geográfico – IGHDF, o Conselho Comunitário da Asa Norte, a ONG Rodas da Paz e o movimento #RepensePontaNorte. Eles alegam que as exigências legais para a execução da obra foram simbolicamente obedecidas. A audiência pública com a comunidade afetada teria sido divulgada de forma dissimulada, com datas trocadas, levando a presença de apenas 39 pessoas, “sendo que 34 eram vinculadas aos órgãos de governo ou às empresas interessadas”, diz a petição.
Morte das Nascentes
O TTN deve trazer forte impacto ambiental, pois se encontra em uma Área de Preservação Permanente – APP, que possui regime rígido de proteção. “A regra é a intocabilidade”. Ressaltam que haverá aterramento de inúmeras nascentes e que, embora o próprio EIA/RIMA reconheça os impactos sobre os recursos hídricos, não apresenta alternativas para evitar esses danos ambientais. “Haverá redução da recarga do aquífero e rebaixamento permanente do lençol freático, o que significa que nascentes secarão, a água ficará mais inacessível e o volume de água do Lago Paranoá pode ser reduzido”, continua o documento das duas Promotorias. É importante lembrar que o Lago Paranoá vem perdendo volume d’água com assoreamento, e mesmo assim está nos planos da Caesb utilizar seu manancial para o abastecimento d’água potável ao brasiliense.
Só motorizado
Apontado pelo GDF como solução de mobilidade para a Região Norte do DF, esse projeto, incluindo a ligação Torto-Colorado, foi pensado inicialmente na gestão Roriz, iniciado e interrompido no de Agnelo, e retomado agora por Rollemberg ao custo de R$ 196 milhões. O BNDES financia a obra e o brasiliense terá que pagar de volta o empréstimo. Na prática, a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia) ganhará, em seu trecho Norte, duas novas pistas — uma em cada sentido —, e passará a contar com três faixas cada uma. Serão 5,2 quilômetros de ampliação entre o Torto e o Colorado. A ligação do Plano Piloto por meio dos Eixinhos L e W dar-se-á em novas pontes a serem erguidas paralelas à do Bragheto. Doze obras, dentre pontes, viadutos e túneis, serão executadas na construção do Trevo de Triagem Norte. Com isso, o GDF espera acabar com engarrafamentos e deixar de ativar a chamada faixa reversa em horários de pico. Cem mil carros devem passar diariamente pelo local.
O primeiro questionamento é que essas pontes não preveem a passagem de pedestres e ciclistas. O professor da Universidade de Brasília, Benny Schvarsberg, lembra que a Lei Federal da Mobilidade Urbana, de 2012, preconiza, sem rejeitar o automóvel particular, o favorecimento prioritário ao trânsito de pedestre, de ciclista e os modos não motorizados, em segundo lugar; e o transporte coletivo, em terceiro lugar.
“O que vi no projeto básico [no TTN] parece o oposto. Buscam favorecer a fluidez do transporte motorizado individual”, diz o especialista, que integra o Conselho de Preservação e Planejamento Metropolitano de Brasília.
Pensamento semelhante tem o engenheiro, doutor em estudos de transportes pela University College London (Reino Unido), Paulo César Marques da Silva, por duas vezes coordenador do Programa de Pós-Graduação em Transportes da UnB: as obras na chamada “Saída Norte” pecam por insistir no velho modelo rodoviarista.
“Não há dúvida de que existe saturação no complexo viário Ponte do Bragheto – Balão do Torto – Balão do Colorado. Também é razoável considerar que a solução para o problema passa por investir em infraestrutura de transporte. O erro está em acentuar o problema que gera a saturação, ou seja, a dependência do automóvel e o consequente excesso de veículos em circulação”.
Para o movimento #RepensePontaNorte, o congestionamento de veículos não vai ter solução com alargamento e ampliação das pistas. Embora seja tido como o passo inicial para a implantação do BRT-Norte, o projeto prioriza inicialmente o transporte individual motorizado em detrimento do transporte coletivo e do não motorizado. Pelo calendário do GDF, o BRT, com 68,8 quilômetros de extensão, só ficará pronto daqui a quatro anos, em 2020, a um custo de quase R$ 2 bi. Recurso que não há no caixa.
“A prioridade absoluta precisava ser o transporte público coletivo. Aí, sim, teríamos uma solução estruturante, que além de tudo respeita o que prevê o Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do DF. Não começar pelas intervenções estruturantes acaba por dificultá-las, encarecê-las ou, no limite, até inviabilizá-las no futuro. Isso porque soluções de traçado, desenho de interseções e vários outros elementos de projeto terão que ser adaptados ao que estiver implantado, ou fazer alterações que fatalmente custarão muito” – complementa Paulo César.
Patrimônio
A vice-presidente do IGHDF lembra que entre 2005 e 2006 o projeto foi vetado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, por colocar em risco o tombamento de Brasília. Com ele, será acelerado “o fluxo de veículos para o centro da cidade, e consequentemente, os congestionamentos serão apenas deslocados e provavelmente intensificados, para a zona central, aumentando a pressão de tráfego e emissão de gases de efeito estufa para o centro de Brasília”. A Unesco cobra do GDF um projeto de transporte coletivo para a área tombada.
Há ainda um mistério sobre se há ou não uma autorização por parte do Iphan. O local da obra está na área tombada. Versões divergentes dizem que a autorização concedida no governo Agnelo já prescreveu. Outras dizem que o Iphan está reavaliando o projeto e o GDF diz que está tudo autorizado e botou as máquinas para rasgar o solo.
#NemPensar
As críticas têm sido levadas ao GDF e já foram debatidas com representantes da Secretaria de Mobilidade, no âmbito do Conselho de Preservação e Planejamento Metropolitano de Brasília. Mas as expectativas não são tão otimistas. “Conhecendo a dinâmica das obras de infraestrutura urbana viária e o interesse comercial das empreiteiras, bem como o interesse político-eleitoral dos governantes, estou cético quanto à possibilidade de ‘ajustes’ ao projeto” – lamenta o professor Benny Schvarsberg.
Na Justiça, com apoio do Ministério Público, o movimento #RepensePontaNorte joga suas esperanças e pede novas soluções viárias. Solicita nova audiência pública para discussão sobre impactos da obra, sua eficácia na mobilidade urbana, impacto no meio ambiente e no patrimônio histórico e arquitetônico do DF, além do processo de licenciamento ambiental. No GDF, a hashtag do momento é #NemPensar em parar as obras. A previsão de entrega é para junho de 2018, bem pertinho das eleições. Imagina se atrasa!?