Na eleição de 2022 o povo elegeu Luiz Inácio Lula da Silva presidente do Brasil. É de se presumir que os eleitores optaram por Lula pelo programa de governo que ele apresentou e se comprometeu a realizar, bem como pela insatisfação com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas, de forma contraditória, o povo elegeu simultaneamente um parlamento majoritariamente de oposição ao governo. Não restam dúvidas de que isso ocorreu por força da avalanche de dinheiro público colocada por Bolsonaro nas mãos de seus apoiadores, com a finalidade de angariar apoios políticos e comprar votos para a sua reeleição.
Especialmente na região Nordeste, sabedores da grande rejeição dos eleitores a Bolsonaro, os candidatos do Centrão adotaram a estratégia de deixar os eleitores livres para votar, para presidente. Raramente algum candidato dos partidos do Centrão fez campanha para Bolsonaro no primeiro turno. E os que fizeram acabaram derrotados.
Ao contrário, no segundo turno, já eleitos, todos mudaram de postura e passaram a se emprenhar pela reeleição de Bolsonaro, mediante um forte assédio eleitoral e de compra de votos. Apesar disso, poucos eleitores aceitaram mudar o voto para presidente. Isso explica o fato de a diferença entre Lula e Bolsonaro ter sido reduzida de 5,23% dos votos, no primeiro turno, para 1,73%, no segundo. Em termos de quantidade de votos, a diferença entre Lula e Bolsonaro diminuiu de 6,2 milhões de votos, no primeiro turno, para 2,1 milhões, no segundo.
Apesar da pequena diferença de votos, a eleição de Lula pode ser considerada um verdadeiro milagre diante de todos os recursos públicos indevidamente empenhados na reeleição de Bolsonaro, de todos os “pacotes de bondade” por ele criados na reta final da campanha e do uso indiscriminado e irregular da máquina do Estado, colocada para trabalhar pela sua reeleição. Acrescente-se, ainda, o apoio de grande parte do empresariado, especialmente do agronegócio, para quem o ex-presidente de fato governou.
Por isso, não tem fundamento o uso dessa pequena diferença de votos pró Lula como argumento para que se tente manter o retrocesso que foi o desgoverno Bolsonaro e dificultar as reformas renovadoras propostas pelo atual governo. Sem a possibilidade do uso indevido de todos esses recursos públicos, estima-se que os que continuam o apoiando não passam dos vinte por cento.
No final do governo Bolsonaro, a dívida pública do Brasil alcançou o valor mais alto da história do País: R$ 5,87 trilhões. Mas essa não foi a pior herança deixada por ele. A pior foi esse Congresso Nacional desqualificado composto, majoritariamente, por verdadeiros crápulas, sugadores contumazes dos recursos públicos, que, como previsível, estão criando e irão criar muito mais problemas para que Lula realize o seu programa de governo.
E o Centrão, comandado pelo presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, é insaciável. Seus integrantes só entendem a linguagem do toma-lá-dá-cá. Não se satisfizeram com o enorme valor a eles destinado por meio das emendas individuais e de bancadas, de execução obrigatória. As individuais alcançaram, em 2023, astronômicos R$ 32 milhões para cada deputado e R$ 59 milhões para cada senador. No exercício de 2022, as emendas individuais foram de R$ 17,6 milhões para cada parlamentar, que já era um valor elevado,
Esse enorme aumento das emendas individuais ocorreu por força da Decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade das emendas de Relator-Geral RP9, denominadas acertadamente de “orçamento secreto”.
Como havia sido alocado no orçamento de 2023 o valor de R$ 19,4 bilhões para essas emendas, o Centrão, para não perder o controle sobre esses recursos, de imediato resolveu transferir a metade deles para as emendas individuais.
A outra metade foi alocada nos orçamentos de Órgãos do Poder Executivo, cuja aplicação será controlada pelo Centrão. Ou seja, mudaram tudo, para que tudo continuasse como antes. Uma vergonha!
E na ponta, nos municípios, os escândalos de corrupção e malversação dos recursos públicos continuarão vindo a público. Basta que os órgãos de fiscalização, agora exercendo a sua missão com maior liberdade, atuem.
O exemplo mais recente é o escândalo da corrupção das compras fraudadas dos kits robótica, envolvendo recursos das emendas do presidente da Câmara Arthur Lira, comandante do Centrão. E o escândalo dos kits robótica parece ser só a ponta de um iceberg que está vindo à tona – e não é de gelo, mas de muita lama.
Espero que Lira tenha, no mais curto prazo possível, para o bem do País, o mesmo destino do líder anterior Eduardo Cunha: a cadeia. Lira e outros líderes do Centrão, ainda têm cinismo de vir a público afirmar que falta ao governo Lula articulação política, quando se sabe que isto, para eles, significa mais liberação de emendas e de nomeações de apadrinhados para o comando de órgãos e entidades do Poder Executivo, notadamente daqueles com grandes orçamentos.
A verdade é que a maioria dos atuais parlamentares só se empenha pelo controle de fatias cada vez maiores do orçamento público, desvirtuando o papel do Parlamento de legislador e fiscalizador das ações do governo. Desconhecem as principais atribuições do Legislativo – legislar, controlar e fiscalizar as ações do Executivo – e se fixam naquela que seria secundária – a alocação de recursos públicos para a realização das políticas públicas, programas e projetos, de acordo com o Plano de Governo do presidente eleito.
Para essa missão tão relevante – fiscalização e controle das ações governamentais –, a Constituição Federal concedeu até mesmo um órgão auxiliar do Parlamento – o Tribunal de Contas da União. Mas o Centrão quer muito mais: almeja participar da execução dos orçamentos, por meio de apadrinhados colocados em postos chave da Administração Pública, papel atribuído, pela Constituição, ao Executivo.
Lira assume, cada vez, mais ares de primeiro-ministro. Mas se esquece de que o sistema ainda é presidencialista e que ele não foi eleito para governar, mas para compor o parlamento.
Nas recentes votações, no comando do Centrão, em desrespeito à vontade da maioria do povo brasileiro, que optou pelo programa proposto por Lula, Lira e sua tropa vêm impondo, a este, sérios retrocessos. Querem que Lula seja impedido de governar de acordo com o plano se governo sufragado pelo povo e continue com aquele do ex-presidente derrotado.