Não é somente no Brasil que os órgãos responsáveis por censos demográficos e estimativas populacionais andam pisando na bola. Semana passada, toda a mídia, aqui e no mundo, repercutiu a informação divulgada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, na sigla em inglês) de que a população da Índia ultrapassaria a da China em 2023. Mas não é bem assim.
Segundo o Relatório do Estado da População Mundial do UNFPA de 2023, a população da Índia foi estimada em 1,429 bilhão de habitantes, 22 milhões acima da estimativa de 2022. De outro lado, o UNFPA estimou a população da China em 1,426 bilhão, redução de 23 milhões em relação ao estimado para 2022 (1,449 bilhão). Em suma: se a estimativa populacional da UNFPA em 2022 apontava 42 milhões de chineses a mais que indianos, agora estranhamente aponta que são 3 milhões a menos. Lembra as trapalhadas “bolsonaristas” no IBGE?
Mas, o mais grave é que o conceituado órgão da ONU cometeu um enorme equívoco, esquecendo-se de apresentar à mídia o ‘pé de página’ de seu próprio relatório. Consta na nota omitida: “Para fins estatísticos, os dados referentes à China não incluem as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau e a Província de Taiwan”. Ou seja, o órgão da ONU estimou a população da China em 1.426 bilhão, ignorando que Hong Kong, Macau e Taiwan são território chinês.
Sim, Hong Kong, ex-colônia britânica, faz parte do território da República Popular da China desde 1997 e Macau (ex-colônia portuguesa), desde 1999. Já Taiwan, tida pelos chineses como província rebelde desde 1949, é reconhecida pela ONU (e por 95% dos países do mundo, inclusive os EUA) como território chinês.
Hong Kong tem 7,6 milhões de habitantes e Macau tem 700 mil. Já Taiwan, cuja estimativa populacional não aparece no relatório por não pertencer à ONU, tem população estimada por seu órgão local em 23,3 milhões. O UNFPA deveria ter alertado a mídia de que a população da China é de 1,458 bilhão, 29 milhões acima da da Índia. Trata-se, contudo, apenas de precisão dos dados, pois se a população da China não foi ultrapassada pela da Índia em 2023, certamente o será nos próximos 3 ou 4 anos.
Mas, “noves fora” os equívocos estatísticos, o fato é que China e Índia são dois gigantes que adentraram e bagunçaram o cenário geopolítico. Seus 2,887 bilhões de habitantes representam mais de 35% da população mundial, 8,5 vezes maior que a população dos EUA e 20 vezes maior que a da Rússia (com a Crimeia).
O PIB (PPC) conjunto em 2021, de US$ 35,63 trilhões (US$ 25,24 trilhões da China e US$ 10,39 trilhões da Índia) era 75% maior que os dos EUA, 62% maior que o dos 27 países que formam a União Europeia, 433% maior que o do Japão e 951% superior ao do Brasil. E a diferença só tem aumentado, pois China e Índia, embora representem 26,4% do PIB global, respondem por 50% do crescimento do PIB mundial (a China com 35% e a Índia com 15%).
Além de potências demográficas e econômicas, as duas nações possuem os maiores exércitos e expressivo arsenal nuclear; têm um enorme comércio bilateral, de US$ 136 bilhões, e são parceiras na Organização para Cooperação de Xangai (OGX) desde 2017 (a OGX conta com outros 7 membros, entre os quais Rússia, Paquistão e Irã), assim como na Iniciativa do Cinturão e Rota (a Nova Rota da Seda).
Os dois países ainda têm disputas fronteiriças na região chinesa de Aksai Chin, com 38 mil Km², que a Índia reivindica como sendo parte da “sua” Cachemira, e no estado indiano de Arunachal Pradesh, com 84 mil Km², que a China diz que lhe fora roubada pelo Império Britânico no Tratado de Ximelá, em 1914.
Vencidas essas disputas, os EUA terão razão de sobra para perceber que sua hegemonia no planeta não se estenderá ao século XXII, talvez pereça bem antes. E o Brasil, no BRICS, certamente está do lado certo.