Os atos de 8 de janeiro demonstraram que a possibilidade de golpe fascista no Brasil não era uma simples guerra de narrativa, mas sim uma realidade. Pela primeira vez após o processo de redemocratização do País sofremos uma intentona antidemocrática.
Mas o pronto rechaço dos atos golpistas, com a inédita prisão promovida pelo Estado Democrático de Direito de um número significativo de militantes e militares nazi-fascistas, permitiu a formação de uma temporária unidade nacional e o comando da situação, que deve ser mantido a todo custo.
É assombroso que na eleição de 2022 quase metade dos eleitores tenham apoiado um projeto fascista. Parece inacreditável que num País majoritariamente cristão, essas ideias tenham encontrado solo fértil para florescer.
Evidente que grande parte dos que votaram em Bolsonaro foram aliciados por seus apoiadores, todos com os bolsos cheios de dinheiro público e contando ainda com a máquina do Estado a serviço da reeleição dele.
Mas não nos iludamos: o movimento autoritário, miliciano, militar, mafioso e de viés fascistas ainda tem presença forte na nossa sociedade. E isso é muito preocupante. Não é transitório e nem desprezível e se mantém latente e forte no Parlamento, nas ruas e, principalmente, nos bastidores.
No momento, os fascistas, exceto no Congresso, onde estão protegidos pelas prerrogativas parlamentares, estão calados, quietos. Alguns envergonhados e outros com receio de serem identificados e punidos.
As ideias fascistas pregadas por Bolsonaro e seus cúmplices floresceram com mais força nos meios militares e das polícias de todos os estados, principalmente do DF, onde o solo já era fértil. Ele apenas criou o cenário adequado para que elas eclodissem.
Após a Constituição Federal de 1988, não tivemos transição, nem alterações nas áreas da Defesa e da Segurança Pública, que ficaram praticamente intocadas no processo de redemocratização do País.
Nos governos petistas foram feitas algumas tentativas para fomentar atitudes democráticas nos meios policiais, no âmbito do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), a exemplo dos cursos EAD sobre direitos humanos, com gratificação aos participantes.
O governo Bolsonaro mostrou que essa iniciativa, ainda que louvável, não gerou resultados satisfatórios. Essas instituições precisam passar por uma profunda análise e por mudanças capazes de mitigar o fascismo em seus interiores.
Seria ingenuidade imaginar-se que a simples troca de comandantes seja capaz de arrefecer as ideias fascistas nelas impregnadas. Inegável que a degradação da nossa classe política em muito contribuiu para que chegássemos a essa situação.
E essa vileza, associada à ignorância, acaba respingando na população, além de gerar o descrédito e o afastamento desse setor de pessoas que poderiam contribuir para o avanço e fortalecimento da nossa democracia. Neste contexto, urge a promoção e o incentivo de ações que possam contribuir para o combate ao fascismo no Brasil, dentre as quais se destacam:
1. Promover um movimento nacional visando à conscientização e organização da sociedade, mediante a formação de escolas de democracia e cidadania, nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal.
2. Exigir que o Congresso Nacional faça, em caráter de urgência, a votação e derrubada dos vetos opostos por Bolsonaro ao projeto original da Lei nº 14.197/2021, chamada de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, especialmente:
a) Veto ao art. 359-O, que penaliza a promoção ou o financiamento, pessoalmente ou por interposta pessoa, campanha ou iniciativa para disseminar fatos inverídicos, capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral.
b) art. 359-Q, que permite ação privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei.
c) Inciso III do caput do art. 359-U, que aumenta de metade a pena prevista para os crimes contra o Estado Democrático de Direito cometidos por militares e acumula com a perda do posto e da patente ou da graduação.
A derrubada desses vetos contribuirá para fortalecer o comando do Estado Democrático de Direito na repressão e punição daqueles que contra ele atentaram e como prevenção de novos atos similares. Servirá também para mostrar que, numa democracia, não há poder absoluto, a exemplo do que têm hoje os presidentes das Casas do Congresso Nacional, para pautar matérias a serem votadas, e o Procurador-Geral da República, para oferecer denúncia.
3. Incentivar as universidades a promoverem, por meio dos seus centros de pesquisa, estudos com os objetivos de entender a escalada do fascismo no Brasil, suas conexões internacionais, bem como divulgar os resultados obtidos, de forma a contribuir para o debate público do tema.
4. Reformular, com envolvimento das comunidades escolares de todos os níveis, currículos e material didático, extirpando deles conteúdos que representem visões distorcidas, ideológicas e sem fundamento empírico. Essa missão deve ser cobrada, inclusive, das escolas civil-militares e das escolas militares, evitando que elas continuem contando uma história fantasiosa do Brasil e da atuação dos militares.
5. Incentivar a discussão pela população, especialmente pelas comunidades escolares, sobre a reforma do ensino médio, a qual reduziu significativamente conteúdos fundamentais na área de humanidades e cidadania, para priorizar uma formação voltada a uma profissionalização estreita que atende somente o interesse do mercado.
6) Reformular as áreas de inteligência do Estado e recompor suas equipes, que foram contaminadas e cooptadas por forças golpistas. O objetivo é promover a atuação coordenada entre universidades, governantes, órgãos públicos e Parlamento, para debelar os agentes e organizações golpistas e neofascistas no Brasil.
7) Identificar e isolar lideranças fascistas no interior das instituições militares e policiais, tarefa que não deve ser difícil de ser realizada, evitando que elas continuem a contaminar o ambiente.
No atual contexto, é urgente que governo e a parcela majoritária da sociedade que tem consciência da importância das liberdades e demais valores da democracia se unam para combater o perigo fascista.