Estava a caminhar quando zumbidos me chamaram a atenção. Pareciam enxames de abelhas por todos os lados. Olhei aos céus e me deparei com um trânsito maluco de veículos voadores, drones, transportando cargas e pessoas, a maioria uma única pessoa. O trânsito terrestre já não mais andava e o aéreo era uma loucura.
Me chamou a atenção o fato de o céu não ser azul, aquele mar de Brasília, como dizia Lucio Costa. Uma grossa camada marrom, composta de dióxido de carbono (CO²) metano (CH4) e óxido nitroso (N²O), emanados do intenso trânsito de veículos, pairava no ar e impedia até de se ver a luz do Sol. No horizonte, um grande paredão de arranha-céus cercava a área tombada do Plano Piloto.
Brasília estava sitiada por concreto e vidro. Não havia mais verde. Nem mesmo a Serrinha do Paranoá resistira. A centena de nascentes que lá brotavam deram lugar a uma nova Região Administrativa, cheia de concreto e asfalto e duas novas pontes já engarrafadas.
Mesmo na área tombada, áreas verdes haviam desaparecido. O canteiro central do Eixo Monumental, entre a Praça do Cruzeiro e a EPIA havia sido todo loteado. Na Esplanada, um grande shopping, travestido de garagem subterrânea sugava e rutilava veículos sem parar. Puxadinhos, quiosques, barracas tomaram o que outrora eram jardins e gramados. Não se via, nem se escutava mais passarinhos no interior das quadras.
A Vila Planalto sucumbira à especulação imobiliária de blocos residências tomaram o espaço das casas dos pioneiros. Os terrenos escolares haviam sido vendidos e no lugar de classes havia de tudo que se pudesse pensar. Era a tal da “des-setorialização” do Plano Piloto, defendida por empresários e governantes nos anos de 2020.
No centro da cidade, espigões tomaram o lugar dos hotéis baixinhos. Um grande shopping circunda o Mané Garrincha. No Setor Comercial, em meio a latarias amassadas e restos de peças mecânicas, o óleo de veículos – terrestres e aéreos – escorria pelas ruas até chegar ao Lago Paranoá. Tudo fruto de uma mudança de uso do SCS aprovada pela Câmara Legislativa, em 2023.
As redes púbicas de ensino e saúde não mais existiam. Uma tal de Silver Net, depois de comprar as clínicas privadas, assumira as principais unidades hospitalares públicas, sob a proteção de uma tal de PPP. Configurava-se o monopólio dos serviços de saúde. O mesmo ocorrera com as escolas públicas, encampadas por fundos de investimentos estrangeiros. A cada passo pelo lugar que outrora fora Patrimônio Cultural da Humanidade, um susto maior.
Decidi pegar o metrô. Mas onde estava o metrô? Mais parecia um museu, tipo aqueles onde conhecemos, quando crianças, as locomotivas Maria Fumaça. As composições ainda eram dos anos 1990. Andavam lentamente, quebrando a cada centena de metro. Nenhuma melhoria de mobilidade urbana houvera sido implantada. Nem o VLT da W-3, muito menos a extensão do metrô para a Asa Norte.
Para o Entorno, não existia qualquer transporte sobre trilhos. Ônibus velhos ainda transportavam as pessoas espremidas como sardinhas em lata.
Busquei a Água Mineral para espairecer. Não achei. Lá estava um grande centro de convenções, um shopping. Apenas uma bica espargia escassas gotas de uma água fétida. A cena me deixou ainda mais desesperado.
Corri para a área rural em busca de respirar ar puro, ver a natureza. Qual nada. A expansão de Brasília havia conurbado aos municípios do Entorno. De Unaí a Luziânia era uma mancha urbana só, onde moravam 9 milhões de pessoa. Expansão que já rumava à Chapada dos Veadeiros, onde grandes condomínios fechados monopolizavam as cachoeiras.
Essas cenas foram dando um aperto no coração. Que pesadelo! Ao avistar um painel a laser, me dei conta de que o calendário marcava 21 de abril de 2123. Brasília completava 163 anos. Seria aquele o fatídico destino da cidade-parque idealizada nos anos 1950 por Lucio Costa, Burle Marx e outros visionários? Como deixou-se a cidade chegar a tamanha deterioração?
Eis que um novo ruído agudo toca. Era o celular. Acordo e vejo que tudo não passou de um terrível pesadelo. Ufa! No celular, meu amigo Joffre alerta que o GDF está realizando audiências públicas para debater o novo Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF (Pdot) – a lei que vai definir quais áreas do DF poderão ser ocupadas doravante e com que propósito –; bem como a Câmara Legislativa analisa o Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (Ppcub), que, em tese, visa proteger o Plano Piloto de ideias especulativas, mas que tudo pensado por Lucio Costa pode ser alterarado.
Oportunidade ímpar para evitarmos que, no próximo século, Brasília se transforme num pesadelo, e que uma nova Capital tenha que ser erguida, assim como o Egito está fazendo agora.
A capital Cairo não tem mais conserto. A saída foi erguer uma nova cidade, que traz princípios urbanísticos semelhantes aos que ora desejam revogar em Brasília.
Vamos deixar acontecer o mesmo? Acorda Brasília!
Saiba + acessando o link