Márcia Turcato
Modernista desde que surgiu do sonho de Dom Bosco, amadureceu no pioneirismo do presidente Juscelino Kubitschek e saiu da prancheta do arquiteto Oscar Niemeyer, ao completar 63 anos no dia 21 de abril, Brasília ganha uma exposição que a tira do moderno e a lança para o futuro. Um mundo que não existiu, mas que poderia ter havido. Um mundo que não é memória, mas é lembrança. Um mundo que é virtual, construído pelo artista Christus Nóbrega com auxílio de Inteligência Artificial (IA).
A exposição ocupa o Espaço Oscar Niemeyer, o Panteão da Liberdade, o Espaço Lúcio Costa e o Museu Histórico de Brasília, todos na Praça dos Três Poderes. Além desses lugares, há obras do artista no Brasília Shopping. Em cada um desses espaços o visitante tem a oportunidade de conhecer os pioneiros da construção da capital, e que representam o povo brasileiro, a arquitetura da cidade, a moda, a história da cidade e a educação, representada por Paulo Freire.
A escolha dos locais para a exposição não foi aleatória. Christus desejava fugir de museus de arte e ativar espaços da cidade que às vezes são visitados apenas por turistas. “Hoje, o Complexo Cultural da Praça dos Três Poderes está distante do cotidiano dos moradores de Brasília. É necessário estimulá-los e entregá-los à comunidade cada vez mais com ativações artísticas, promovendo uma agenda de ocupação permanente do espaço”. Outro braço da mostra é o Brasília Shopping. “Pensar uma ocupação dentro de um prédio desenhado por Ruy Ohtake é sinalizar que Brasília nunca se fechou para o novo”, diz o artista.
Lembranças de infância
Na exposição, as obras, que simulam fotografias antigas, parecem remeter a prédios, lugares e pessoas que conhecemos, mas que nunca existiram. “Como artista e educador, reconheço a importância dos primeiros anos de vida na construção do indivíduo”, diz Christus, doutor e mestre em Arte e Tecnologia, passando pela Robótica.
O artista desafia a arquitetura de Niemeyer para criar uma Brasília futurista numa sociedade multiétnica. Subvertendo tudo o que se conhece da história da construção da capital da República, o artista coloca indígenas no Planalto Central, mulheres como operárias da construção civil e o educador Paulo Freire com os pioneiros nas quadras construindo saberes.
Para obter esse resultado, o paraibano de João Pessoa, de 47 anos, radicado em Brasília desde 2005, lança mão da Inteligência Artificial para criar cenários e reconstruir suas lembranças de infância. Quando criança, Christus ouvia sua mãe falar sobre como era a cidade e a imaginava em seus sonhos. E, de fato, a narrativa de sua mãe sobre a nova capital colaborou para a construção da sua personalidade e da sua obra.
A cidade que se vê na obra do artista é o resultado da sua memória afetiva, traduzida pela IA. Mais do que isso, é o desejo de homenagear as mulheres na figura de sua mãe, Iara, e de sua irmã, Germana, professora de IA e com pesquisas premiadas internacionalmente. A parceria de Christus com a IA torna a IA coautora desta exposição pioneira. Nada mais perfeito do que isso, porque Brasília foi e sempre será vocacionada ao pioneirismo.
Memória
Para o artista, que é professor do Instituto de Artes da UnB, “a memória pode ser encarada também como uma ficção, porque, ao invés de constituir um registro fidedigno e inalterável do passado, é um processo intrincado e dinâmico, continuamente reconstruído e reinterpretado”. “A memória é influenciada por aspectos emocionais, sociais e cognitivos, podendo acarretar distorções e até a criação de falsas lembranças, embora contenha elementos verídicos. Ela é moldada e modificada por nossa interpretação e percepção ao longo do tempo”.
Saiba +
“Brasília enfim” tem mais uma novidade: o passaporte da exposição, que pode ser obtido nos locais onde as obras estão expostas. Quem visitar os cinco pontos terá o passaporte carimbado e poderá concorrer a um prêmio, que é uma obra do artista Christus Nóbrega. Mais informações estão no próprio passaporte. A exposição é uma realização do IPAC (Instituto de Pesquisa e Promoção à Arte e Cultura), com produção da 4ART e curadoria de André Severo, Marília Panitz e Sílvia Badra.