Letícia Sallorenzo
A Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal desconhece os seus próprios dados sobre Educação de Jovens e Adultos narede pública local. As turmas de EJA estão cada vez mais reduzidas e, em várias escolas, multisseriadas (mais de uma série por turma).Procurada para informar sobre alunos, unidades escolares e demanda de EJA no DF, a SEEDF disse não ter os dados disponíveis.
Mas, se procurasse em seu próprio site https://www.educacao.df.gov.br/eja-2/, atualizado em 3 de fevereiro deste ano, saberia que há 105 unidades escolares oferecendo ensino de jovens e adultos, para 38.212 estudantes, que se dividem em 36.881 presenciais, 1.331 na educação combinada (profissionalizante) e outros 2.006 estudando a distância, segundo o Censo Escolar de 2020 atualizado em junho/21.
Por que, então, Ibaneis não oferece educação a 66 mil cidadãos brasileiros? Em 2014, sob a administração Agnelo Queiroz, https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-05/DF%20recebe%20selo%20de%20territ%C3%B3rio%20livre%20do%20analfabetismo, o DF foi o primeiro a receber o selo de Território Livre do Analfabetismo do Ministério da Educação, conferido a unidades da federação que atingem 96,5% de alfabetização segundo o censo do IBGE. Era uma época em que o secretário de Educação dizia que o desafio era “buscar as pessoas e convencê-las a se alfabetizar”.
Foi, também, a época em que o Plano Distrital de Educação foi aprovado.O PDE ainda está em vigor, e suas metas 8 a 11, que devem ser usadas como horizonte para o trabalho de planejamento da Secretaria de Educação, são ignoradas. Lá estão previstos, dentre outros objetivos, a gestão pedagógica e administrativa do EJA e a elevação da taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 99,5% até 2018. Mas esse monitoramento, que deveria ser constante, aparentemente cessou em 2018. (https://www.educacao.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/01/Relat%C3%B3rio-de-Monitoramento-PDE-2018.pdf).
Como dizer que sobram vagas de EJA se não se monitora a real demanda desse público? E como fazer a busca ativa, se não há o monitoramento da demanda populacional?
Falta ação para captação de estudantes
O Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização do Fórum de Educação de Jovens e Adultos (GTPA/DF) entende que não existe, por parte da SEEDF, uma ação ativa para captação de estudantes para EJA.
O desafio demanda tão somente planejamento e gestão de dados e recursos. Mas o projeto do governo Ibaneis Rocha (MDB), no DF, assim como o de governo Bolsonaro (PL),no plano nacional, é de desmonte.
A pandemia causou uma grande evasão escolar em todos os segmentos da educação, processo foi ainda mais preocupante na EJA, pelo fato de o perfil dos alunosdessa modalidade ser de trabalhadoresque têm como prioridade a sobrevivência, o trabalho.
Se a SEEDF tivesse proporcionado, de fato, os meios, um incentivo para que os estudantes permanecessem, não haveria uma evasão tão exacerbada e, consequentemente, a necessidade de (nem desculpas para) realizar a multisseriação.
Dificultar para inviabilizar
Para o Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), fica evidente que a “estratégia” do GDF é dificultar para inviabilizar e, assim, aumentar ainda mais a evasão escolar dos jovens e adultos. Turmas que precisariam estar espalhadas por diversas áreas do DF estão concentradas – e nos locais errados.
É o caso do CEM 304 de Samambaia. Há 4 anos o GDF sofre pressão do Sinpro e da comunidade escolar para não fechar as turmas do primeiro segmento do EJA. Agora, anunciam que a oferta será em uma turma multisseriada.
“O problema das turmas multisseriadas é a dispersão de temas. Os estudantes têm formação e conhecimentos diferentes. Logo, a demanda por estudos é diferente. Juntar uma turma heterogênea para ministrar conteúdos de diversos anos do ensino fundamental é contraproducente e, em muitos casos, desestimulante, ainda mais se levarmos em consideração que o primeiro segmento é o que cuida da alfabetização dessas pessoas”, analisa o diretor do Sinpro, Cláudio Antunes.
Ele lembra: “turma multisseriada é recurso utilizado no interior do país, ou em rincões com população pequena, onde não há professores disponíveis ou o número de estudantes é reduzido. Não é política a ser adotada pela capital da República”.
Além de multisseriadas, essas turmas ainda estão em locais com pouca demanda. As novas regiões habitacionais que surgem a cada dia, como o Assentamento 26 de Setembro, na Estrutural, deveria ter unidades educacionais ofertando EJA, pois seu perfil populacional coincide com o perfil do EJA: pessoas com muita idade, baixa escolaridade (várias analfabetas), negras, e de baixíssimo poder aquisitivo.
Trata-se de público não escolarizado que só encontra dificuldades quando busca retomar os estudos, quando deveria, justamente ao contrário, ter todas as suas demandas facilitadas pelo Estado.
GDF não faz recenseamento
Essas novas regiões, como o 26 de Setembro, simplesmente não são monitoradas pelo governo porque não existem oficialmente. “A demanda potencial do DF por EJA está em torno das áreas assentadas que estão surgindo. Quem mora nesses locais não existe para o GDF, pois não há monitoramento, tampouco recenseamento nessas áreas”, explica a pesquisadora Dorisdei Valente Rodrigues, coordenadora do GTPA/DF e doutora em Tecnologias de Educação pela UnB.
A professora Dorisdei informa ainda que, por determinação da própria SEEDF, é possível abrir turmas com no mínimo 10 estudantes, “mas a Secretaria às vezes não cumpre o que ela mesma delimita”.
Ela alerta para outra consequência da multisseriação das tur
mas de EJA: se não houver turmas diferentes para séries diferentes, a demanda por professor será menor. Com isso, muitos professores serão devolvidos às regionais. E, se isso acontecer, não serão chamados de volta.