Ricardo Nogueira Viana (*)
Passou daquele portal, porão era o destino.
Sangue, suor e urina, é o que rege o nosso hino.
Aos sofridos que se esmagavam, ali ninguém rezou,
diante de tanto castigo, não se crê no superior.
O mar que sacudia, jazia o que não sobrava,
o coração que parava, o tubarão devorava.
Quem nessa terra chegou, sossego não encontrou,
pois aqui foi comprado por quem se disse superior.
Cabelo liso e brancura era a receita do sucesso,
que até hoje maquia, a tal da ordem e progresso.
Vovó padecia e de castigo morria,
negro que aguentava, sonhava com alforria.
Um bocado morreu, após 300 anos de maldade,
aí veio uma tal princesa e assinou a liberdade.
Não usaram mais o tronco e tiraram a palmatória,
mas deixaram as amarras que impediam a trajetória.
Sem terra pra plantar e dinheiro a receber,
jogaram o negro no mundo pra da sorte vencer.
Seguiu vagando, pedindo e pelejando,
foi na favela e no gueto que veio habitando.
Aos que falam em meritocracia,
olhem lá trás, o retrato dessa covardia.
Protesto e contesto diante de tanta hipocrisia,
abre a cabeça seu negro, pois somos a maioria.
Nem pense que é um poema, pois jorro inquietude,
é difícil sobrevier nesse pacto da branquitude.
Cota pra nós não é esmola nem agrado,
é miséria pra quem teve o seu sangue jorrado.
Aqui e agora é 2022, um ano que pode sobrar 2,
polarizado ou não, pense no que vem depois.
Envio a você, que é negro ou simpatizante,
pois ao nosso lado tá cheio de delirante.
(*) Delegado-Chefe da 6ª DP do DF e Professor de Educação Física