José Silva Jr.
Os termômetros pareciam não se entender na noite de quarta-feira (18). Ora o do aparelho celular marcava que a temperatura estava 10°C, por volta das 20h, ora os sites especializados encontrados numa busca no Google aferiam 11°C no mesmo horário. Mas ambos os indicadores do clima concordavam numa coisa: estava muito frio.
No Gama, a cidade mais gelada do DF no inverno, até os moradores de rua procuraram um abrigo mais protegido do vento forte que fazia a curva nas esquinas do Setor Central. Um dos lugares mais buscado por pessoas sem teto e parede foi a Emergência do Hospital Regional.
O morador de rua não identificado que costuma dormir ao relento embaixo da marquise de um quiosque de lanche em frente à unidade hospitalar se juntou aos demais que passam pela mesma situação e passou a madrugada misturado entre os pacientes que esperavam atendimento.
População de necessitados quadruplica
Essa é uma realidade dessa população de necessitados que quadruplicou durante a pandemia de covid-19. De 2019 a 2021, a população de rua saiu de 593 e pulou para 2.391. Os dados são da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes).
Cosme da Silva, 39, está há 27 anos morando na rua. “Saí de casa com 12 anos para procurar emprego e acabei ficando nas ruas. Essa pandemia me fez ter medo das ruas. Então, aqui vou estar seguro”, alivia-se.
É bom ele ficar por lá. A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia é de que a temperatura baixe ainda mais nos próximos dias, chegando a 4°C, com sensação térmica de 0°C. Segundo o inmet, uma massa de ar polar deve provocar uma queda nas temperaturas mínimas em todo o DF.
Arrecadação
Com a insuficiência do governo quanto ao atendimento aos mais necessitados, organizações e redes de apoio fazem as vezes das autoridades públicas e oferecem agasalhos e cobertores às pessoas em situação de rua. O coletivo Barba na Rua e a ONG Street Store DF estão arrecadando os itens para entregar à população de rua.
Insegurança alimentar
Ruim com frio, pior ainda com fome. É assim para 8% das famílias do Varjão entrevistadas na PDAD (Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio), da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan).
A falta de condições econômicas acarretou redução quantitativa de alimentos para todos os membros da família, inclusive crianças para, em 8% dos lares do Varjão. Nos lagos Sul e Norte e no Park Way, o índice foi zero.
Os dados foram aferidos durante coleta de informação da Unidade de Planejamento Territorial (UPT) Central Adjacente 1, durante dois anos, em quase três mil domicílios dos Lagos Sul e Norte, Varjão e Park Way somente com a população urbana. Juntas, as quatro regiões possuem mais de 100 mil morando nas cidades.
Programas de governo
Apesar de baixo, o índice preocupou o secretário das Cidades, Valmir Lemos. Para ele, a pesquisa da Codeplan vai servir de parâmetro para este e o próximo governo programarem suas políticas públicas a fim de minimizar essas distorções.
“Independentemente de servir para este governo, vai servir para outros que porventura vierem. Ela dá a possibilidade de começar o próximo governo em estado avançado na direção onde as políticas públicas devem ser aplicadas. Facilita muito”, destacou.
Dois mundos separados por poucos metros
É bom que a providência a que se refere o secretário seja rápida e ainda na gestão do atual governo, porque, até lá, o frio já deverá ter passado, juntamente com a vida de muitas pessoas que residem nas ruas do DF, onde mundos são separados por poucos metros. Como entre o Varjão e o Lago Norte. Enquanto a primeira concentra famílias que passam fome, a segunda possui renda bruta média de R$ 7 mil e zero família passando fome.