Gutemberg Fialho
A área da Saúde tem inflação própria. Tem cartelização – associação de operadoras de planos de saúde na negociação com prestadores de serviços e produtos de saúde para definição de preços. Tem concentração de mercado, com as mesmas operadoras adquirindo hospitais e laboratórios particulares e assumindo o controle de serviços terceirizados pelo Estado, travestidos de Organizações Sociais da Saúde.
Os fenômenos do mundo das relações de trabalho também têm paralelos no universo da prestação de assistência à saúde. Falo sempre dos “nem-nem” da Saúde. Na economia do trabalho, esse grupo é constituído por jovens que não estudam nem trabalham. Na Saúde são aqueles enganados, que pagam por planos que não entregam a assistência que anunciam: são desprezados pela saúde suplementar (a dos planos de saúde) e excluídos do orçamento destinado ao nosso SUS.
Aqui, vou me referir ao grupo dos desalentados da Saúde. O conceito faz referência às pessoas desempregadas que desistiram de procurar emprego porque não têm esperanças de que irão encontrar. Hoje, são cerca de 5 milhões de brasileiros. Quando falo de desalentados da Saúde não vejo uma situação muito diferente. E acontece só nos chamados vazios assistenciais, onde os braços do SUS não chegam ou são raquíticos. Aqui, na capital da República, quem nunca ouviu falar de gente que passa meses e até anos nas filas do SUS para conseguir uma consulta ou uma cirurgia até desistir ou morrer?
Não falta quem gasta o que não tem em clínicas populares. E não é raro encontrar nas redes sociais anúncios de campanhas de arrecadação, leilões e rifas para pagamento de tratamentos de saúde vitais para muita gente que luta contra doenças graves.
Ao mesmo tempo que o SUS é a maior política social de inclusão do mundo, tem obstáculos de acesso que nunca foram derrubados e furos jamais remendados por onde escorrem vidas dos nossos compatriotas. E os governos que se sucedem pouco fazem ou até contribuem para o agravamento desses entraves ao SUS.
Temos um abismo entre os usuários dos sistemas de saúde público e complementar. No DF, 70% dependem do SUS e 30% têm plano de saúde, estatística que varia de bairro para bairro. Segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio de 2018, em Águas Claras, 71% tinham plano de saúde. Em Ceilândia, apenas 18,6%, sendo que 10,6% tinham plano empresarial. Com o aumento do desemprego na pandemia, não será surpresa que muitos desses o tenham perdido junto com o emprego. E, com isso, estão excluídos da previsão orçamentária do SUS.
E o que se faz por essa parcela da população? Inauguram-se prédios novos, sem corpo clínico, sem equipamentos nem insumos necessários, como o chamado “Hospital da Cidade do Sol”, que não passa de um galpão adaptado para funcionar como enfermaria. Tem prédio, mas não tem assistência.
Li uma postagem no Instagram em que se dizia “plano de saúde de pobre é não adoecer”. E nem nisso o GDF ajuda: a atenção primária à saúde, que devia atuar em ações preventivas, está desorganizada e forçada a funcionar dentro de uma cultura hospitalocêntrica, quando o paciente já está doente.
A Saúde pública do DF já funcionou bem e pode voltar a ser assim. O primeiro passo é estabelecer políticas públicas efetivas na atenção primária para evitar hospitalizações, preencher e aumentar as equipes de profissionais, equipar e garantir a manutenção dos equipamentos e abastecer adequadamente as unidades de saúde com insumos e medicamentos necessários para uma assistência digna à população.
Depois disso é que se constroem novas unidades. As que existem, aos trancos e barrancos, funcionam com o que têm. O que não funciona na Saúde pública do DF é a gestão desalentadora.