Anna Ribeiro (*)
Comi um melão. Calma! Não faça análises precipitadas. Não vamos falar da minha rotina alimentar. Ele, o melão, estava mais doce que o normal, mais suculento, mais convidativo a uma segunda mordida.
Acabei me dando conta de que o deixei mais tempo na fruteira, naquele namoro lento, sem pressa. A calma do caçador que já possui a presa muito antes do abate. Dias e mais dias, ele fortuitamente se oferecendo ao ato derradeiro.
Eu saboreava a espera da festa, os preparativos. O flerte sempre foi melhor que o beijo. A arte da conquista envolve calma, espera, paciência. E eis que no amanhecer de um dia veio o ato, o corte. A morte, que é melhor que a vida.
Desfeito em pedaços, enfim provamo-nos. Éramos ele e eu. Ele sentia a mordida, o lábio, a saliva quente. Eu, o suco adocicado e denso, o sabor de fruta madura. Sentia a textura a cada mordida! E na subsequente, e na subsequente…
Uma pausa para entender melhor essa festa de sabores e texturas. O milagre foi esperar o momento certo. Ele estava quase desistindo de mim. Estava quase passando do ponto. Nos esperamos maduros. Um faminto, o outro maduro. Prontos para o deleite. Ele pronto para aquilo a que foi concebido.
A questão aqui foi a capacidade de suportar a espera. A calma em aguardar o tempo necessário à maturidade – a minha, não a dele. Ele é fruta, eu o fruto. A espera é o preço. Mais caro, mais doce. A escolha é sempre sua.
Agora, viciada neste sabor de fruta madura, o que desejo da vida, das pessoas, das trocas, dos gozos, das prosas e tudo mais é isso: um sabor maduro.
Eis-me aqui, a flertar descaradamente com a vida. E ela, caçadora segura que é, me faz esperar o momento certo para o deleite, para o corte, para a mordida.
(*) Escritora