A incitação à intervenção militar no Poder Executivo não é novidade no Brasil. Ela faz parte de nossa tradição política desde Vargas. Vale lembrar o discurso de Castelo Branco em 1964, logo após o golpe, referindo-se aos civis que iam aos quartéis incitar a oficialidade: “Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoraçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao poder militar”.
Para os que desconhecem, vivandeiras eram mulheres que, em guerras remotas, seguiam as tropas em marcha, e, quando essas acampavam (bivaques), vendiam aos soldados alimentos e bebidas. O que temos visto nessas últimas semanas, com a aproximação do 7 de setembro, são as “vivandeiras” de sempre, excitadas pela data de fundação da Pátria, clamarem por um golpe militar que entronize o “mito” na presidência.
Neste clamor, juntam-se militares da reserva, políticos oportunistas, policiais militares e milicianos, religiosos neopentecostais, latifundiários do agronegócio, empresários gananciosos e até cantores sertanejos. As recentes e descabidas agitações nas PMs estaduais fazem parte do “pacote”.
O patético vídeo em que o cantor Sérgio Reis afirmou que os “patriotas” estão preparados para invadir o STF e retirar os ministros na marra revelou que o tal “Movimento de 7 de setembro” está sendo financiado, entre outros, pela Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), cujo presidente, Antônio Galvan, foi até a sede da PF de Sinop (MT) para depor, comandando acintosamente uma caravana de tratores.
Na saída, Galvan discursou afirmando que os “sojeiros” e demais ruralistas estão dispostos a tudo para defender a pátria, a família e a propriedade. Tudo em nome de Deus. Para esses ruralistas – que fizeram fortuna grilando terra pública, desmatando florestas, assoreando rios, dando recorrentes calotes no BB e massacrando posseiros e indígenas – e outros grandes empresários, defesa da pátria é a defesa de seus privilégios e de seus negócios espúrios.
Afinal, pensam na pátria quando remetem seus milhões de dólares para paraísos fiscais? Pensam na pátria quando mandam seus filhos para estudar nos EUA ou Europa e compram suas mansões em Miami? Esses empresários gananciosos e inescrupulosos nada têm de patriotas. Querem tão somente explorar o povo e os recursos brasileiros. Se lascam para a situação de pobreza e de miséria da maioria do nosso povo.
É sabido que um governo militar (uma ditadura) já houve no Brasil, e foi um desastre econômico, social, político e cultural. Elevou nossa dívida externa de 4 para quase 100 bilhões de dólares (25% do PIB), nos deixou de joelhos ante o FMI, nos legou uma inflação de 240% e milhões de brasileiros na pobreza. Dele nos livramos há 36 anos.
Os mais ingênuos hão de perguntar: de onde eles tiraram a ideia de que um governo militar com Bolsonaro é solução para os graves problemas do Brasil? Mas a verdade é que eles não querem solução para os problemas do país. O que querem é um governo sem contrapesos, seja do Parlamento, do Judiciário ou da sociedade civil.
Querem uma ditadura que lhes dê trânsito livre para ampliar a exploração do povo, extirpar os direitos sociais e toda a legislação econômica, social, trabalhista e ambiental que limita suas ambições.
Que os democratas e o povo brasileiro saibam lidar com as “vivandeiras”.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia.