Um estudo organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) traz um traço triste – mas já esperado – da nossa sociedade. Segundo a entidade, a população em situação de rua cresceu 140% a partir de 2012, chegando a quase 222 mil brasileiros no ano passado, com tendência de aumento com a crise econômica acentuada pela pandemia da covid-19.
O levantamento “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil” também revela que a maioria dessas pessoas (81,5%), está em municípios/cidades com mais de 100 mil habitantes. “O tamanho do município, bem como seu grau de urbanização e de pobreza estão associados ao número de pessoas morando nas ruas, o que indica a necessidade de políticas públicas adequadas a essas cidades”, assinala o sociólogo e pesquisador do Ipea, Marco Antônio Natalino, autor do trabalho.
No Distrito Federal, a população de pessoas em situação de rua chega a 2.260. Mas esses dados podem estar subdimensionados, uma vez que o número é correspondente aos que estão acompanhados pela equipe de abordagem da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Ou seja, não são contabilizados aqueles que não dispõem de nenhum tipo de atendimento.
Com frio e sem emprego
Atualmente, a Sedes trabalha com 140 profissionais que percorrem as cidades do DF em busca de ajudar essas pessoas que, na maioria das vezes, deixam seus estados de origem para tentar sorte melhor na “terra prometida” de Juscelino Kubitschek – o mestre da arquitetura moderna que desenhou a Capital Federal.
É o caso da travesti Thayla Valério, 26 anos. Natural de João Pessoa, na Paraíba, ela veio para Brasília em busca de uma vida melhor. “Eu quero arrumar um emprego e sair dessa vida de morar nas ruas, mas não tenho para onde ir”, lamenta ela, que passa as noites embaixo de uma árvore no canteiro da 903 Sul.
E não foi fácil enfrentar o frio que fez na madrugada de quarta-feira (11). Os termômetros marcavam 16 graus quando Thayla tentava descansar envolta num cobertor puído e em cima de um colchão em semelhante estado. “Estava muito frio mesmo”, disse ela, que só conseguiu relaxar quando chegou o sol mais quente, por volta das 9h.
Thayla é o típico caso de moradores em situação de rua que não querem ajuda do governo. O governo local oferece 19 casas de passagem em todo o DF. Elas têm a finalidade de não deixar que isso que acontece com Thayla se repita e atinja outras pessoas. Destas, estão novinhas em folha as unidades do Guará, Taguatinga, Planaltina e Gama, que, juntas, oferecem 250 vagas.
Sem contar os abrigos provisórios que foram instituídos no governo de Ibaneis Rocha por causa da pandemia. Atualmente, apenas o Alojamento Provisório de Ceilândia está funcionando, com 200 vagas. Hoje, tem 173 acolhidos na unidade.
Percevejos deixam trauma
Mesmo assim, Cléber Fabiano Santos, 41, prefere não entrar nessas casas. Em vez disso, pediu uma barraca para se instalar no gramado público da 903 Sul, onde tem um Centro de Referência Especializada para População em Situação de Rua (Centro POP), que ofereceu apoio a essas pessoas, como assistência social.
Morador de Maringá (PR), ele está há 28 anos na rua. Chegou há cinco meses em Brasília também na esperança de arrumar emprego. Ela conta que é uma espécie de faz-tudo: de jardineiro a chacareiro. “Quem puder me dar uma ajuda, agradeço”, clama.
O colega Wudson Teixeira, 36, diz que não gosta dos abrigos por uma experiência ruim que teve numa dessas casas em Águas Lindas (GO). A prova do que fala está pelo seu corpo. Ao levantar a blusa, mostra feridas que teriam sido provocadas por percevejos. “Fiquei com trauma. Prefiro passar frio na rua”, lamenta o nativo de Minas Gerais.