Ao ser preso e acabar morto no dia 28 de junho, depois de ter o corpo crivado por 39 tiros, encerrando uma saga de crimes, o assassino em série Lázaro Barbosa de Sousa, 32 anos, foi encontrado com dois revólveres e várias munições. Com esse arsenal, aterrorizou a população de Ceilândia, Águas Lindas e Cocalzinho, e ameaçou as forças de segurança do Distrito Federal e de Goiás durante 20 dias de caçada.
Isto reforça a desconfiança da polícia de que o criminoso estaria sendo apoiado por alguém com acesso a armas. Mas, para entender como uma população de origem pobre tem tanta facilidade em adquirir armas de fogo, a ponto de municiar até os dentes um criminoso do quilate de Lázaro, basta revisitar o passado. Mais precisamente, voltar a 2019.
No primeiro dia daquele ano, ao assumir a cadeira de presidente da República, Jair Bolsonaro cumpriu uma promessa de campanha eleitoral, editando em seus primeiros atos um decreto que flexibilizava a aquisição, o cadastro, o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição.
Ações sobem – Embora tenha sido derrubado pelo Senado Federal, decisão que rendeu até post do autor nas redes sociais, a disposição do mandachuva brasileiro em armar a população atiçou a lei da oferta e da procura. Tanto que, que após o decreto de Bolsonaro as ações da Taurus (TASA4) tiveram uma forte alta que variou de 14,83% a R$ 21,76.
A Taurus, aliás, já vinha acumulando dividendos com o fenômeno Bolsonaro mesmo antes de ele ser empossado. O gesto do presidente imitando uma arma com o polegar e dedo indicador era simbólico e tinha várias conotações. Uma delas foi bombar a indústria bélica, prometendo liberar geral as armas. E a Taurus se aproveitou disso. As ações da única fábrica de armamentos listada na B3 acumulam valorização de mais de 270% em apenas seis meses. Desde 2018, o papel registra ganho de mais de 700%.
Decretos facilitam acesso
Nem o veto do Senado ao decreto foi suficiente para desmotivar os amantes das armas e defensores da distribuição indiscriminada delas na sociedade e os fornecedores de produtos e serviços. Isso porque o incansável defensor das armas resolveu dar mais trabalho ao Parlamento. Bolsonaro (que flerta com o Patriota) não se entregou na guerra e editou mais quatro decretos.
As principais medidas nesses novos textos são: alterações na lista de produtos controlados pelo Comando do Exército, excluindo, por exemplo, projéteis de munição para armas de porte ou portáteis até ao calibre 12,7 mm e a ampliação de quatro para seis o número de armas que um cidadão brasileiro pode possuir.
Com uma peculiaridade: às categorias como juízes e policiais também é permitida a compra de mais duas armas de uso restrito. Além disso, foi ampliada a quantidade de munição para colecionadores, atiradores e caçadores.
Clubes de tiro crescem
Na mesma esteira das fabricantes de armas, outro segmento do ramo bélico também se locupletou da militância do maior cabo eleitoral do País à legalização das armas: as casas de prática de tiros, que pulverizaram nos quatro cantos do Brasil.
A procura é tanta que esses estabelecimentos se transformaram num dos maiores compradores de armas de fogo do País. O número de armas registradas nos chamados clubes de tiro esportivo, de caçadores e colecionadores teve um aumento de 120% em um ano e meio, revela o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020.
Esses lugares são um palco perfeito para o “esportista” aperfeiçoar sua mira, que nem sempre visa usá-la em animais ou em competição. Ao preço de R$ 1,2 mil, o sócio do Clube de Tiro Atacc, na QNM 3 de Ceilândia, pode passar o dia treinando. Basta ser maior de idade e pagar a taxa.
O clube tem hoje 350 associados com acesso a todo tipo de calibre de armas, desde revólveres até espingardas e escopetas. O responsável pelo estabelecimento identificado apenas como Alan está otimista quanto aos decretos editados recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro com a flexibilização das regras para porte e posse de armas.
Para ele, mais pessoas irão adquirir armas e a procura ao seu clube, para treinar, será maior. Não à toa, a casa ostenta uma foto de Bolsonaro na parede. Ironicamente, sob a mira de um fuzil, parecido com um que ele empunha em viagem oficial a Israel, onde deveria tratar de assuntos mais relevantes para a população, como a compra de vacinas para a covid-19.
Pastor atirador: Bíblia e bala
Quando não está com uma Bíblia nas mãos Antônio Jorgiano Soares, 51 anos, conhecido como pastor Jorge, costumar empunhar uma arma num clube de tiros na Asa Norte. “Eu decidi fazer o registro das minhas após a edição dos decretos (do presidente). E ser CAC (Colecionador, Atirador e Caçador). A finalidade é só para prática esportiva e caça”, afirma.
Justificativa do pastor parece pró-forma. Já que a maioria possui arma em casa justamente para se proteger da eventual visita de um estranho. Mas arma não é um equipamento de defesa, e sim de ataque.
Se o primeiro intuito fosse realmente verdadeiro, Bolsonaro incentivaria as pessoas a reforçarem a segurança das suas casas, propriedades rurais ou estabelecimentos comerciais. Ou, quem sabe, até mesmo adquirir um escudo. E não um artefato que só serve para atacar.
Principalmente, quando cai em mãos erradas, como as de Lázaro, que usou armas roubadas em casas de vítimas para cometer crimes contra elas mesmas e outras pessoas inocentes.
(*) Especial para o Brasília Capital