O decreto 42.081/21, assinado no dia 10 de maio pelo governador Ibaneis Rocha, reequilibrou a relação de poderes entre a Polícia Civil e as demais forças de Segurança do Distrito Federal. Desde 2016, quando foi implantada a Lei 9.099/95, a Polícia Militar, por exemplo, ao atender uma ocorrência de crime de menor gravidade – uma pequena apreensão de drogas, perturbação do sossego ou ameaça -, o próprio PM registrava, no local, o Termo Circunstanciado, e o encaminhava diretamente ao Judiciário.
A medida sempre desagradou à Polícia Civil. “O modelo policial brasileiro é dividido em duas vertentes: a PM tem função ostensiva e preventiva; a Civil é a Polícia Judiciária, que investiga e formaliza os atos que são encaminhados à Justiça. Não cabe à PM fazer o serviço da Civil, que é previsto pela Constituição”, diz o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo-DF), Marcelo Portella.
A decisão de Ibaneis visava acabar com a briga corporativa. Mas desagradou a associações ligadas a policiais militares. “Os policiais agilizavam o trabalho, sem ter que perder horas nas delegacias para registrar um boletim de ocorrência. Significava menos carros da PM estacionados em frente às delegacias e menos policiais esperando para registrar os crimes, o que resultou em maior produtividade, com mais policiais nas ruas, no patrulhamento”, argumenta o presidente da Associação dos Militares Estaduais do Brasil (AmeBrasil), coronel Marco Antônio Nunes.
Ilegal – Com o novo decreto, o GDF estabeleceu que, em vez de mandar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) direto para a Justiça, a PM, os Bombeiros e o Detran terão de enviar as comunicações para a Polícia Civil. E apenas esta poderá passar os TCO ao Judiciário. “A PM poderá fazer o papel dela, que é o policiamento ostensivo e o atendimento pelo 190, por exemplo”, afirma o presidente do Sindepo.
Já o dirigente da AmeBrasil afirma que a forma anterior vinha funcionando muito bem. Segundo ele, “apesar da drástica redução do efetivo, a PMDF vinha regitrando aumento de produtividade desde que iniciou a confecção dos TCO, há cinco anos. Como consequência, pela primeira vez em 25 anos o índice de homicídios na capital foi inferior a 20 por 100 mil habitantes”.
Para o coronel Nunes, “o decreto é ilegal, ao determinar que os policiais militares tomem procedimento diverso do que está previsto na Lei Federal 9.099”. A associação estuda entrar com ação judicial caso o governador não o revogue. “A medida coloca em risco a rapidez na apuração de crimes de menor poder ofensivo e vai contra lei federal”, justifica. Ele lembra que o procedimento TCO – previsto na 9.099 – vem sendo adotado em 16 estados, além do DF.
Pacificado no STF
“A Lei 9.099/95 estabelece que, ao lavrar um TCO, o policial o encaminhará diretamente ao juízo competente e que, se o fizer diferente, estará cometendo ilegalidade”, assegura Nunes. E emenda: “Esse entendimento já está pacificado com decisões e portarias do Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e provimentos do Tribunal de Justiça e do Ministério Público do DF”.
Como funciona – O Termo Circunstanciado de Ocorrência foi desenvolvido para dar mais rapidez à prestação de Justiça nos crimes de menor potencial ofensivo, além de gerar economia de recursos públicos. Na prática, o TCO permite que os policiais finalizem uma ocorrência em que a infração ou contravenção cometida resulte em pena máxima de dois anos de reclusão sem necessidade de ir a uma delegacia.
Isso evita, por exemplo, que uma viatura saia do patrulhamenbto ostensivo, ainda que momentaneamente. Assim, o agente de segurança pode ouvir as partes no local. O TCO só se aplica aos casos de crime com baixo potencial e que não resultariam em prisão, como posse e uso de drogas, vias de fato (agressões e brigas) sem lesão corporal, entre outros.
Foco é a integração
Em nota enviada ao Brasília Capital, a Secretaria de Segurança Pública destaca que o decreto 42.081/21 tem foco na integração entre os órgãos do sistema de segurança e na instituição de um sistema de registro de ocorrências. “A integração das bases de dados é, além de obrigatória, uma necessidade, tendo em vista os problemas gerados pela perda de informações (…) com prejuízo inclusive às estatísticas e definição das políticas de segurança pública”, diz trecho da nota.
A SSP-DF já está formando um grupo de trabalho que vai desenvolver a interoperabilidade entre os sistemas. A ideia é otimizar o fluxo de informações e aperfeiçoar o tratamento dos dados. “Não é verídica qualquer afirmação de que o Decreto 42.081 veda o registro de ocorrências de menor potencial ofensivo por policiais militares”, reforça a nota.
E prosegue, “pelo contrário, o artigo 4º da norma autorizou o registro integrado de ocorrência pela PM e demais forças de segurança púbica, com imediata liberação do autor do fato, não havendo que se falar, portanto, em obrigatoriedade de condução até a delegacia, salvo quando necessário exame pericial”.
A nota da SSP/DF finaliza dizendo que “a integração se dará sem prejuízo de manutenção dos sistemas próprios de cada corporação, não adentrando, ainda, em questões afetas ao Poder Judiciário, a quem cabe definir, nos casos de infrações penais, como os procedimentos lhes devem ser encaminhados e quais os órgãos autorizados a fazê-lo”.
Sindepo parabeniza governador
O Sindicato dos Delegados parabeniza Ibaneis pela edição do decreto nº 42.081, “que normatiza a integração dos sistemas de segurança pública do DF. Para a entidade, “com a medida, poderemos, efetivamente, integrar as diversas forças e corporações do DF, que juntas têm como objetivo primário entregar Segurança Pública de excelência à população da capital federal”.
E finaliza: “A coragem do governador em enfrentar esse tema põe fim a décadas de omissão que gerava desperdício de informações e trabalho, posto que cada corporação desenvolvia seus próprios sistemas incomunicáveis entre si. O Sindepo está certo de que a inovação é um marco divisor na gestão e nos resultados da segurança pública do Distrito Federal”.