Na manhã de 6 de maio, policiais civis do Rio de Janeiro entraram no morro do Jacarezinho para cumprir mandados de buscas e prisões relacionados ao tráfico de drogas. A incursão se deu em uma das maiores favelas cariocas, formada por cidadãos, trabalhadores, contribuintes, mas subjugada e dominada pelo tráfico de drogas.
Não é a primeira vez que o Estado tenta se imiscuir na região. Entretanto, quando lá chega, seja pacifica ou coercitivamente, sempre são assimiladas baixas, tanto das forças de segurança como de traficantes e da própria comunidade. Resultado: mais de duas dezenas de mortes, sendo uma de André Farias, investigador de polícia, 48 anos.
Localizada na Zona Norte do Rio, com cerca de 37 mil habitantes e considerada uma das favelas mais negras do Brasil, a Jacarezinho vive sob o jugo da facção Comando Vermelho, fortemente armada, a qual dita regras, impõe o medo, comercializa drogas e oprime pessoas.
Em outro viés, o Estado, representado pela polícia, por meio de uma operação planejada, adentrou em um lugar hostil e imprevisível, no qual um policial foi abatido. As mortes foram necessárias? A polícia errou? Foi arbitrária? A operação mais sangrenta do Rio de Janeiro? Muitos já opinaram.
“Especialistas” ou palpiteiros das mais diversas áreas indigitaram e julgaram o Estado como culpado. Não ouso me pronunciar sob o acontecido, pois lá não estava. Mas a polícia carioca tem atributos para adentrar em cenários sensíveis e beligerantes.
Uma coisa é fato. Essa violência não vai parar, pois, quando se fala em polícia, população, facção e morte, induz-se ao resultado: Tiro, porrada e bomba! Um funk.
Não se pode tentar falar em diminuição de índices, sensação de segurança, paz social, pensando só em polícia, coerção e imperatividade da administração pública. Agindo assim, estamos atirando apenas na consequência e tangenciando as causas.
A violência não é um problema só policial, mas desemboca na segurança pública. Ao comparar com uma partida de futebol, quanto menos aparece o árbitro, é porque o jogo transcorreu sem violência e, por consequência, houve uma boa partida.
Em contrapartida, no Estado em que o assunto é a polícia, a violência prepondera e o povo sobrevive. Em 2008, o Rio de Janeiro lançou a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a qual foi inserida no seio das comunidades violentas com o fito de desarticular as associações criminosas que ali agiam.
Rememoro a espetacularização fomentada diante da instalação da célula do Complexo do Alemão. Escroques corriam, a mídia filmava e o povo comemorava. Cheguei a imaginar que, após aquela fuga, os egressos da comunidade estariam tirando suas carteiras de trabalho ou estudando para concursos.
No ano seguinte, assisti a uma palestra do então secretário de Segurança do Rio, após a instalação das 38 fases do projeto. Bradava o representante da segurança que chegou a ser cotado, à época, para ocupar a cadeira de chefe do Executivo: “Não podemos ficar sós, necessitamos de atuação conjunta de outros órgãos”.
Isso não aconteceu, as UPPs tiveram a sua epopeia, mas naufragaram. A voz de Beltrame quedou-se inerte. Ou seja, a polícia não conseguiu agir sozinha, sem políticas públicas que caminhassem paralelamente.
Novas operações vão ocorrer. É o tipo de jogo que cada lado vai torcer que seu placar, representado pelos óbitos, fique no zero. Ou seja, vamos ver a mãe de quem vai chorar – dos policiais, dos escroques ou da população.
O Estado do Rio e a União têm que reconhecer que chafurdaram e várias gerações se perderam. As instituições encontram-se incrédulas, sem respaldo social e impregnadas por corruptos.
Estamos narrando a história de uma unidade da federação, a qual, em um retrospecto não muito distante, teve um governador impedido, três outros que experimentaram o cárcere e a cúpula da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas Estadual seguiu pelo mesmo atalho.
Não só o Rio, mas o Brasil deve clamar por uma educação de qualidade das próximas gerações, propiciando a todos, saúde e saneamento básico, junto a uma polícia de qualidade, com salários dignos e atraentes para bons profissionais.
Não é justo e prudente tratar o povo das favelas como indigno e tampouco policiais como grupo de extermínio. Ambos são produtos da omissão estatal, e cada qual sofre as consequências da inércia do poder público.
Jacarezinho, local que nos abrilhantou com Rumba Gabriel e o craque e hoje senador Romário, é palco deste sistema que aliena, discrimina e pune sumariamente os pobres e negros que foram colocados compulsoriamente às margens da nossa sociedade.
(*) Delegado-Chefe da 6ª DP do DF e Professor de Educação Física