A morte, para os orientais, influenciados pela cultura budista, é ocasião de alegria extrema. O budista chora quando nasce uma criança e ri quando alguém morre. Crê que morrer é renascer. Uma visão totalmente oposta à nossa, ocidentais.
Na última semana, Jair Bolsonaro completou 66 anos de seu nascimento e 300 mil mortos por covid-19 no país que preside. Fez festa particular em meio à maior crise sanitária da história do Brasil. Ou ele é oriental budista, ou é louco. O leitor decide.
O trabalho oficial da Presidência da República, há tempos, passou a ser performar o insano, com estímulos diários do politicamente incorreto, para cerca de um terço da população brasileira que escolheu a irracionalidade como visão de mundo.
Com a transformação do Brasil no celeiro do caos sanitário mundial e criador de variantes mais mortais do novo coronavírus, a irracionalidade se tornou questão de sobrevivência política para o Presidente, que amarga recordes de rejeição em pesquisas recentes.
É um método trabalhoso e complexo. Consome muito dinheiro público e exige equipe especializada de gestores de redes sociais, designers, produtores de audiovisual, softwares de monitoramento de percepções e emoções dos milhões de brasileiros usuários das redes sociais.
Também envolve programadores de softwares robôs que disseminam milhões de postagens em segundos, em seus perfis automáticos, ou enxurradas de comentários em postagens de figuras públicas. O método técnico desta gestão de paixões, no entanto, é bem fácil de entender.
Os softwares de monitoramento coletam e reúnem, em planilhas com gráficos coloridos, as informações e as emoções que cada situação desperta – como indignação ou adoração – nas verbalizações escritas em forma de postagens pelo grupo de cidadãos que apoia e milita por Bolsonaro nas redes sociais.
Após saber o que, como, para quem e em qual canal de comunicação mais eficaz dizer, a equipe técnica presidencial inicia a produção e distribuição de conteúdos por grupos de WhatsApp e redes sociais.
A estética é propositalmente amadora, para simular que o conteúdo é espontâneo e orgânico, feito por muita gente de bem em seus aplicativos de edição de imagens.
Por fim, um roteiro do dia do Presidente é escrito, passado e repassado, com suas falas, encontros, ações e reações com a imprensa. Mais uma vez a estética do improviso serve como retórica do convencimento.
Tudo pensado para sair no noticiário do dia posterior e, em seguida, ser editado em memes e vídeos curtos, descontextualizados e favoráveis à narrativa presidencial, retroalimentando este sistema que exige estímulos diários.
Esse conteúdo tem como objetivo gerar duras críticas da oposição, acirrando a polarização, a violência de insultos digitais e reafirmando as posições das torcidas ideológicas, sentadas cada qual em seu lado do campo, com o centro social de percepção assistindo a peleja retórica de ambos os lados e se desgostando cada vez mais da política institucional nacional.
Esta ação integrada de comunicação explica as falas esdrúxulas, recorrentes e crescentes de Bolsonaro e da maioria de seus ministros e secretários. As falas são pensadas e ditas para serem duramente criticadas.
Este é o método que garante o monopólio da insanidade a Bolsonaro. Tente se lembrar: à exceção de seus filhos, qual outro político atual do Brasil transita e performa o mesmo gênero discursivo de Bolsonaro?
Apenas uma figura política de centro-direita, que almeje a Presidência e trabalhe para fragmentar o público de Bolsonaro, usando o mesmo método, poderá enfraquecê-lo. Com a reabilitação eleitoral de Lula, o fortalecimento de Bolsonaro no polo oposto é líquido e certo.
A chance de enfraquecê-lo está em gerir a histeria coletiva e dividi-la em grupos, identificados com outro líder de postura semelhante e mais agressiva, que crie empatia, identificação e pertencimento, e impossibilite sua chegada ao segundo turno em 2022.
O que Bolsonaro tem de mais valioso para se manter no poder é seu público e seu método. Não é sua imagem que deve ser atacada. Isso já se mostrou ineficiente. Seu argumento deve ser usurpado por outra figura política, com a coragem de se prestar a papel semelhante.
A guerra nos ensinou que é preciso dividir para conquistar. O marketing, por sua vez, a criar variações de um mesmo produto para que haja disputa e desconcentração de mercado.
Enquanto Bolsonaro for o detentor do monopólio político das insanidades discursivas, conferindo escala técnica e profissional a elas, o público de loucos que garante o segundo turno em 2022 só terá um único lugar onde continuar consumindo e se relacionando.
(*) Consultor em Marketing Estratégico