A ordem constitucional e o anseio de Justiça, incluídos nesses conceitos os imprescindíveis pressupostos da ética e da observância das leis, são valores muito caros a todos os democratas, à democracia como instituição e à própria natureza da República.
A Constituição Federal estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (Art. 2º). Na separação de Poderes, alicerce do Estado Democrático de Direito, não se divide a importância do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
As importâncias se somam no exercício equilibrado das respectivas competências constitucionalmente delineadas. Cada um desses Poderes deve atuar para assegurar a legalidade e a credibilidade de suas ações, alicerçando um desejado sentimento comum de respeito e deferência institucional.
O Executivo e o Legislativo exercem, ou devem exercer, a atividade política voltada a organizar democraticamente o funcionamento da sociedade, o mais responsiva possível aos anseios dos seus cidadãos.
A demonização da política é solapamento da Democracia, e não aproveita à sua causa. Portanto, o respeito à política é imprescindível, tanto quanto aos políticos que, reunidos no Congresso Nacional, representam a Nação. O Congresso deve emanar a vontade do povo brasileiro e de cada uma das unidades da Federação, sem dar as costas, por um minuto que seja, à nossa Constituição.
A Constituição Federal, por sua vez, determina a perda do mandato (Art. 55) de deputado ou senador por condenação criminal transitada em julgado (VI), mas também, dentre outras hipóteses, em razão de procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar (II).
Além dos casos definidos em Regimento Interno, a Constituição Federal aponta como incompatível com o decoro parlamentar a percepção de vantagem indevida e “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional” (§1º, Art.55).
Assim, se por um lado os parlamentares “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF Art.53), por outro, a “liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade.
Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação” (STF PET 7.174; rel. p/ o ac. min. Marco Aurélio, j. 10-3-2020, 1ª T). A esse entendimento acrescemos, sem qualquer dúvida, que nenhum parlamentar pode se valer de suas prerrogativas para desrespeitar a Constituição, a Democracia e o Estado Democrático de Direito. Aliás, o respeito à Constituição é o juramento de posse no cargo.
Os Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado existem exatamente para apurar o comportamento dos deputados e senadores que seja atentatório ou incompatível com o decoro parlamentar. Que não seja impecavelmente ético, nos termos dos correspondentes Código de Ética e Decoro Parlamentar e Regimento, bem como da Constituição Federal.
Se tais Comissões cumprem os seus papéis, ou se se entregam ao que há de pior no corporativismo rasteiro, é tema para um outro momento. Aqui e agora, estes comentários vêm a propósito de se realçar a importância da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
Pressupõe-se, segundo a ética e a ordem constitucional, que essa deva ser uma Comissão acima das paixões e das disputas políticas. Não existe para dar ou tirar vantagens de partidos ou ideologias. Existe para preservar, o que é essencial na atividade parlamentar, a natureza constitucional das leis que ali se discutem e aprovam, e, sobretudo, para assegurar que a atividade parlamentar se desenvolva segundo os melhores anseios de Justiça.
Portanto, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e, notadamente os que estejam na posição de dirigi-la, devem ser constitucionalistas vocacionados e convictos. É necessário que conheçam a Constituição. Mas, não basta conhecê-la, em exercício racional de visita ao seu texto. É necessário que se vinculem efetivamente à Constituição e aos seus princípios.
Nessa linha, o Código de Ética expressamente define como deveres fundamentais do deputado: promover a defesa do interesse público e da soberania nacional; respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional; zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo; e exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé zelo e probidade, dentre outros (Art. 3º, I, II, III, IV).
Entretanto, não se pode defender aquilo em que não se acredita. Não se pode defender a Constituição, por exemplo, pregando a tomada de poder pelas Forças Armadas.
Todos os órgãos do Congresso são importantes. Mas, as Comissões de Constituição e Justiça são importantíssimas. Mais do que atuarem como filtros do processo legislativo, existem como tribunas em defesa da própria Constituição.
A competência dessa Comissão (Art.32, IV, RICD), que é permanente, estende-se na análise dos (i) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos; (ii) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição; (iii) assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido em consulta; (iv) assuntos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, à organização do Estado, à organização dos Poderes e às funções essenciais da Justiça; (v) matérias relativas a direito constitucional, eleitoral, civil, penal, penitenciário, processual, notarial; (vi) partidos políticos, mandato e representação política, sistemas eleitorais e eleições; (vii) nacionalidade, cidadania, naturalização, regime jurídico dos estrangeiros; emigração e imigração; (viii) intervenção federal; e outros não menos relevantes.
Portanto, a Comissão de Constituição e Justiça, assim como a sua presidência, só podem ser ocupadas pelos congressistas que tenham efetiva identidade com os dispositivos e os princípios constitucionais. Quando a Câmara cogita nomear para a presidência da CCJ alguém que está sendo investigada por eventuais atos concretos de violação constitucional, e que abertamente prega a quebra da ordem constitucional com a intervenção das Forças Armadas, não pode esperar que se lhe tribute respeito.
O respeito que se deve ao Parlamento, passa a ter o seu lugar ocupado pela preocupação com a justificada dúvida sobre o que está o Congresso Nacional fazendo com os valores da Democracia e da República.
(*) Cecilia Mello: criminalista, sócia do Cecilia Mello Advogados, foi desembargadora federal por 14 anos no TRF-3.
(**) Celso Cintra Mori: sócio de Pinheiro Neto Advogados