Tempos difíceis que estamos passando neste momento. Uma pandemia que se alastrou por todo o mundo nos fazendo voltar à história da peste negra (bubônica), na Europa, na Baixa Idade Média, entre os anos de 1347 e 1351, que causou a morte de milhões de vidas. Bem tratada com antibióticos, pode-se afirmar que a peste está controlada.
Mas o foco deste ensaio é a morte. O fim de todo tipo de vida. A certeza da morte, por doenças, acidentes, guerras, assassinatos etc.: a única verdade que temos. Todos pereceremos, cessaremos nossa história. É o fim de quaisquer atividades biológicas. Óbito, falecimento, desencarne, um processo irreversível para a manutenção da vida na Terra.
Logo em seguida, temos a decomposição de todo o sistema vivo. No Egito antigo, a mumificação foi a tentativa de dar prosseguimento à vida. Temos também a ressurreição ou a reencarnação. E as várias interpretações sobre a vida após a morte.
Único a derrotar a morte e voltar à vida e, depois, ir ao encontro de seu pai, Deus, foi Jesus Cristo. Como sabemos e determinado em profecias, sua passagem pela vida entre os seres humanos já estava planejada e, ao final, morreu para salvar os seres humanos dos seus pecados e lhes dar uma nova chance. Lembrado todos os dias nas Missas com o ritual da Última Ceia. O pão e o vinho se tornaram a lembrança trágica de seu martírio.
Estamos sempre tentando esquecer da morte, talvez por estarmos tão apegados a nossos projetos de vida, na esperança de uma vida sem fim, na ilusão de aparecer uma tecnologia que nos façam imortais ou pelo menos estenda nossas vidas ao máximo.
Mas não adianta, a morte está sempre à espreita, a todo instante e bem do nosso lado. Sempre tem algo morrendo a nossa volta a todo momento e nem percebemos, como animais, vegetais, micro-organismos, pessoas. “É assim mesmo, não tem saída por enquanto”, diriam algumas pessoas. A morte, a grande companheira de todas as horas e sinalizadora de que tudo tem início, meio e fim.
O ano de 2020, provavelmente, será lembrado como o ano da morte neste início do século XXI. Um ano amargo e desconfortante para todos, ricos ou pobres. Um ano que desnuda todas as mentiras construídas ao longo de nossas vidas, de um mundo de consumo sem limites, de indústrias a todo vapor, de classes abastadas achando que são diferentes e que estão livres de todas as privações e de todas as doenças. Com a busca incessante do lucro e do dinheiro fácil sem respeito às classes trabalhadoras, ao meio ambiente ou a qualquer limite moral e ético.
Mas a ilusão caiu por terra quando os hospitais e cemitérios ficaram abarrotados. Pessoas morrendo em grandes quantidades e sem direito a velório. Tudo por causa da pandemia da covid-19, que pegou o mundo despreparado, por irresponsabilidade de governantes e países que não deram importância a uma boa estrutura de saúde, não aplicaram as verbas dos impostos na construção de infraestrutura básica nas cidades ou deixaram a saúde para a inciativa privada, transformando em um grande negócio.
Tudo pela afirmação política de que o mundo precisa de um Estado mínimo e que a iniciativa privada consegue atender melhor. O lucro geraria prosperidade a todos. Constatamos exatamente o contrário: os ricos e seus negócios sendo atendidos em primeiro lugar e, o povo, em último. Continua triste a história das classes sociais e privilégios dos ricos.
Sob a ganância das classes abastadas, o mundo vai se reconstruindo, os principais conflitos que estavam arrefecidos aparecem com mais força, a luta contra o racismo, contra a violência policial, contra a diminuição dos direitos humanos, contra o neofascismo.
A morte, a grande protagonista do ano, traz dentro de si a esperança de uma vida diferente daqui para a frente. De uma vida com respeito aos direitos do cidadão, ao meio ambiente, à construção de um Estado que proteja seus povos com justiça e igualdade e que afirma em alto e bom som que a Vida é e sempre será mais importante do que o lucro.
*Antonio Villarreal é professor de história aposentado da rede pública de ensino do Distrito Federal